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Elevador da Glória, o mais amado dos bondinhos
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Elevador da Glória, o mais amado dos bondinhos

Os portugueses chamam de elevador, porque um vagão sobe enquanto o outro desce a íngreme colina da Calçada da Gloria — interligados e sincronizados. Funicular, seria o nome técnico. Dupla de amarelinhos, que ficou ainda mais conhecida, agora pelo mundo, desde o trágico acidente em Lisboa, na semana passada
Dois vagões amarelinhos — dois bondes, como dizemos no Brasil —será batizado agora com o nome de André Marques (Foto: Divulgação/Robert Frans)
Foto: Divulgação/Robert Frans Dois vagões amarelinhos — dois bondes, como dizemos no Brasil —será batizado agora com o nome de André Marques

Quando foi inaugurado, em novembro de 1885, o artigo da revista ilustrada Occidente mencionava duas dúvidas. Se o elevador da Glória faria sucesso entre os lisboetas e se conseguiria pagar-se, já que a viagem custava apenas um vintém por cabeça.

E começou assim, timidamente, na subida e na descida de uma encosta de 275 metros, desnível de 17%. Tinha, na época, dois níveis. Os mais ricos lá no alto, na apreciação da vista, os mais pobres no andar de baixo, virados de costas para a rua estreita. E à noite, era iluminado por candeeiros a velas.

Não era ainda amarelo, como hoje. Mas, pela ilustração feita para a revista, era já uma beleza. Antes do elevador da Gloria, já havia sido inaugurado o funicular de Braga — outro tesouro, ainda em funcionamento — e o da Calçada do Lavra. E já se falava no próximo, o Elevador da Bica.

Todo este mundo ferroviário movido por sistemas de água, pensado para economizar as pernas dos portugueses, porque colinas por aqui não faltam. A dúvida do jornalista tinha precedente. O recém-inaugurado elevador da Calçada do Lavra, tinha pouco movimento, não passava muita gente por lá.

O da Glória, no entanto, foi amor imediato. Daqueles roxos. À bordo dele, dos Restauradores ao Jardim de São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto, iam os lisboetas para cima e deslizavam para baixo, a depender da vontade: tomar um gelado na A Veneziana ou ver um filme, no Éden?

Do sistema de água, passou à locomoção a vapor, e depois ao atual elétrico. Ecológico, engraçado, belo, divertido, hoje é o chuchu dos turistas. Por ano, são três milhões de pessoas. Quarenta, por bonde, e por viagem — e de um vintém, custa agora 4,70 a cabeça.

Este elevador, composto por dois vagões amarelinhos — dois bondes, como dizemos no Brasil —será batizado agora com o nome de André Marques, o guarda-freios que conduzia o vagão, espatifado contra o muro de uma casa.

Contam os sobreviventes que, na hora do descarrilhamento, quarta-feira passada, ele tentou por todos os meios acionar os freios, o manual e o pneumático. Não teve jeito e nem tempo, o acidente não durou um minuto. Morreu na hora, debaixo das ferragens. Agora o nome dele descerá e subirá a colina, como gostava tanto de fazer, sem que seja ele o condutor.

Este acidente terrível abalou o mundo e a confiança no sistema de manutenção — e agora a política tomou de conta, às vésperas de eleição — mas não tira o brilho desse elevador, tão necessário à cidade. Já me desloquei nele, também muita gente que trabalha no Bairro Alto.

Aliás, como a Calçada da Gloria é estreita, mal cabendo os trilhos e o passa-passa das carruagens, até convém viajar neles. Muitos dos mortos neste acidente não estavam dentro, mas fora dos vagões, na faixa curta de calçada, a pé.

O momento é ainda de cura, de ajudar os feridos, de repatriar os turistas mortos, de se apurar responsabilidades que, claramente, são técnicas. O cabo rompido passa sob a rua e por isso, não se consegue alcançá-lo facilmente, para inspeção.

Tem-se de parar o elevador e abrir-se a caixa, para o trabalho. Assim, nem sempre foi feito o que tinha de ser feito. Ou, quem sabe, mesmo se sob inspeção, o cabo teria se rompido. Não há explicação para tudo nesse mundo.

A história da Calçada da Glória ainda não terminou, nesta coluna. Na próxima semana voltaremos a falar sobre ela, e sobre os seus encantos, até para os ciclistas. Bem-hajam.

Foto do Ariadne Araújo

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