Liberdade feminina, funcionalidade e conexão mantiveram um legado vivo
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Caroliny Braga é jornalista, comunicadora participativa, mestra em Comunicação, pesquisadora em mídias e práticas socioculturais. Dedicada ao estudo de meios e processos comunicacionais, dá cabimento à coisa de escutar mais do que ouvir e ao risco e à delícia que é contar histórias
Liberdade feminina, funcionalidade e conexão mantiveram um legado vivo
A covid-19 quase deu fim ao empreendimento de Araly. Mas ela optou por olhar mais para o que havia do que para o que faltava. Como diria Coco Chanel, "ninguém pode viver com horizontes estreitos"
Foto: Caroliny Braga
Araly
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Quando o cenário da empreendedora Araly de Albuquerque encolheu, ela não minguou. Ao contrário, alargou sua criatividade, deu voltas por cima.
Conversando com Araly, ouvindo seu destemor audacioso, por várias vezes, lembrei de Coco Chanel: a postura entre afetuosa e maciça; o jeito elegantemente simples, despachado, mas discreto; o fôlego que ela toma para que a emoção não transborde além da conta e o fato de ela ter erguido e consigo manter seu negócio em nome de suas honra e liberdade feminina.
Foto: Cecil Beaton/Condé Nast via Getty Images/Caroliny Braga
Imagem de Gabrielle Coco Chanel, com breve biografia | 2) Imagem da empreendedora Araly
Mas, assim como são nítidas as semelhanças entre as empreendedoras, uma diferença também é clara: Araly se aliou aos mais diversos motivos e cores para manter viva sua “Vila da Pizza”.
Antes da pandemia por coronavírus, a Vila da Pizza tinha sete espaços físicos espalhados pela capital cearense, cerca de 100 funcionários. A covid-19 veio. Reduziu corpo de trabalhadores a oito. Fechou seis das lojas. Só não a pioneira, a do bairro Vila União.
E, muito rapidamente, Araly pôs mão na massa e aprendeu a manejar as funções do delivery, que, início de 2020, no Brasil e no mundo, passou de opção de consumo à necessidade. A ascensão rápida das plataformas de entrega, em especial do segmento alimentício, permitiu que Araly concedesse as rescisões de seus funcionários.
“A nova dinâmica não me possibilitou seguir com todos os colaboradores, mas ter conseguido manter alguns e ter concedido os direitos trabalhistas a todas as pessoas que eu precisei desligar me deixou minimamente aliviada. Por isso e por saber de todos vivos, eu sou grata, meu sentimento é de gratidão pela vida e pela coragem que carrego em mim”.
E, a partir do novo formato, o cardápio e a rede social do empreendimento de Araly passaram a ter, sobretudo, estratégias.
Quase todo mês - um motivo, uma nova pizza e muita originalidade. “Passada a pandemia, a gente voltou a trabalhar com portas abertas, mesmo que com uma só casa. Daí, apesar de nossos clientes serem hoje sobretudo do delivery, também temos recebido as pessoas em nosso salão. Um salão que vai se renovando de acordo com algumas festividades do ano”.
Agora no São João, por exemplo, tem pizza de amendoim (paçoca), além de estandartes juninos, balões e bandeiras suspensas.
Foto: Caroliny Braga
Araly com uma de suas produções juninas: pizza de amendoim (paçoca)
E, assim, o menu e o terreno fértil dela vão sendo tomados por arranjos e (bons) gostos, na medida em que os meses trazem seus costumes. Temporada do Carnaval, da Páscoa, mães, pais, crianças, Natal: em cada tempo, Araly cria uma faceta.
Facetas que têm a ver com seu atrevimento para não ver findar tudo o que ergueu. Patrimônio que também tem liga com as capacitações, lições, experiências e com outros ofícios abraçados por Araly. Uma prova de que nossas bagagens nos formam e são capazes de influenciar outros pontapés que damos e daremos. Olha só…
Vivências formam e regem
Filha do Planalto da Borborema, da cidade de Vitória de Santo Antão, interior de Pernambuco, Araly tem 52 anos de idade, é a caçula de oitos filhos, cresceu atenta aos movimentos de todos os seus irmãos.
Tem duas profissionalizações técnicas. Com a formação em contabilidade, entendeu rotinas administrativas, processos financeiros, controle de estoque, tomada de decisões. Com o magistério, assimilou escolha por bons recursos, adaptação de atividades, abordagens lúdicas, trabalho em grupo.
Com a parte que ela concluiu do curso superior em administração, Araly internalizou planejamento, gerenciamento de recursos e tática.
Quando secretariou uma concessionária, foi multifacetada, organizou compromissos, foi suporte à gestão. Como projetista de iluminação, esteve estreitamente conectada à estética, à funcionalidade e à valorização de espaços.
No tempo em que morou, com seu marido e seus dois meninos, em São Francisco, estado da Califórnia, costa pacífica dos Estados Unidos, conta que vivenciou a economia mais inovadora e a cultura mais diversa com as quais já teve contato.
Segundo confessou (momento de nossa conversa em que seus olhos mais marejaram), foi maternando e observando o destemor incansável de sua mãe e de sua sogra que ela ficou especialista em suporte, resistência, em gerenciamento de horário e de conflitos.
E é notando seus passos, sentindo suas memórias, ouvindo seus arranjos, que entendemos que não é do nada que Araly cultua o copo meio cheio.
Notamos que não foi na marra, não foi por obra dum milagre, não foi por sorte que seu negócio se manteve e tem se mantido vivo. Há novidades que chegam que não nos são desconhecidas a propósito dos nossos legados, das trocas que tivemos, dos nossos instantes vividos, das relações que nos traçaram e conceberam.
“A Vila da Pizza tem a minha alma, ela vive porque tem nela tudo que sou, tem o que vi nos lugares por onde andei. No meu empreendimento, tem o tanto que me dei em tudo, tem os saberes que alcancei. Saberes que tento repassar pra minha equipe com conversas, reflexões coletivas, possibilitando palestras, pequenos cursos sobre nutrição, sobre boas práticas, gestão humanizada”.
A conexão como combustível
Para Araly, a vida só acontece se houver conexões, seja em qual for o setor. Em suas argumentações, mora uma convicção de que o cliente só chega ao produto e elege-o parte de suas estimas se houver um elo capaz de transformar coisa em causa. Se houver vínculos provocados por experiências.
De fato, a conexão faz a gente pertencer, querer estar, salivar por um sabor que ainda nem sentiu.
Foto: Arquivo pessoal/Caroliny Braga
Trend postada na rede social da Vila da Pizza, pizzaria da empreendedora | 2) Arte criada por Araly, também postada na rede social | 3) Decoração feita pela equipe da Vila, com foco no Dia dos Namorados e nas festas juninas | 4) Detalhe presente em uma das mesas da pizzaria
E Araly deu fé disso cedo, com as lições, bagagens e traquejos próprios de seus percursos. É nítido o quanto ela preza por conexões ao publicar na rede social de seu negócio. Ao escolher cada item para a produção dos alimentos presentes em seu cardápio.
Ao cumprimentar cada funcionário, quando iam chegando para assumir seus postos, durante a entrevista que ela me concedeu. Ela parava, rapidinho, nossa conversa, e perguntava a cada um subjetividades próprias a cada um, olhando, notando, rendendo atenção (de fato).
Muito consciente do poder da comunicação, mais recentemente, Araly fez cursos de inteligência emocional, Instagram e inteligência artificial. E, a partir daí, ela própria toca a página da firma. Reconhece que ainda não é o ideal, mas conta que tem conseguido interagir melhor com os seguidores.
“Muito bacana quando se pode ter um profissional dedicado à comunicação de um negócio. Mas vamos caminhando, né? Tenho sentido melhor engajamento do público. Sinto nosso perfil mais sólido, desde que passei a ter mais consciência tecnológica pra lidar com nossa rede”.
Ela tem transformado consumo em conexão, quando adere a uma trend, envolvendo sua atividade numa corrente. Quando escolhe o desembaraço, o arrojo ao chamar seu público. Quando traz cenários ou incorpora um simples detalhe aos seus espaços, por entender que pequenos traços podem despertar memórias e sentimentos, e isso provoca o laço da conexão.
Vínculos à mesa
Além de ser a comunicadora oficial de seu negócio, é regra inflexível para Araly que ela mesma assuma alguns papeis na Vila da Pizza.
Por exemplo, listar e partir para comprar os itens utilizados na produção de seus produtos são execuções que só devem ser feitas por ela. Isso a torna centralizadora? Tem causado exaustão? Segundo Araly, não. E diz que essa é mais uma atitude com foco na conexão. Como assim?
Ela conta que fazer um alimento começa muito antes da mistura dos ingredientes. O sabor dum produto depende, inclusive, da energia empregada no processo de aquisição de cada ítem. Para Araly, ter eleito, após algumas pesquisas, um único supermercado para a efetivação de suas principais compras tem a ver com vínculo.
Ou seja, os laços presentes nas relações estabelecidas ao longo do processo de suas atividades diárias também impactam na qualidade do seu produto final.
“Eu acho importante mencionar a Rede Assaí, sobretudo, pelas pessoas, pelos funcionários. Apesar das facilidades que encontro ao optar por comprar no atacado e nas boas alternativas que me são oferecidas por este tipo de comercialização, ainda assim, são as pessoas com quem me encontro lá que fazem toda a diferença”.
Foto: Caroliny Braga
Araly na Vila da Pizza
Araly relata a satisfação com a qual ela é recepcionada ao entrar no supermercado. Narra o movimento disponível e dinâmico dos funcionários que ficam ali próximo às prateleiras. Elenca o quanto se sente abrigada, acolhida, rodeada por pessoas com foco real na coletividade.
Menciona a turma dos caixas, do pacote, recordando como opera com atenção, clareza, com bem-aceite e um capricho que é coisa medular pra ela. Para a empreendedora, toda essa vinculação afetiva é parte determinante na qualidade de cada refeição que ela entrega aos seus clientes.
“Me diga se tudo isso que recebo ao realizar minhas compras não faz toda diferença nas minhas produções? Querer ir eu mesma ao Assaí não contém questões relacionadas à centralização, mas sim à conexão necessária ao todo, sabe? Retorno à minha loja tomada por atenção, afogo, profissionalismo”.
Com esses sentimentos, Araly encontra seus funcionários, armazenam os itens, partem para as próximas funções. Mas a pizza vai indo ao forno desde a composição da lista de compras.
Coco Chanel dizia que “o mais corajoso dos atos ainda é pensar com a própria cabeça”. Araly pensa, cria elos, planeja, entende, crê tendo como guia ela mesma, sua história, sua composição. E quanta elegância e autenticidade eu vi nisso.
Ter seis de sete lojas fechadas e - mesmo arremessada num surto coletivo que bagunçou a economia mundial - ousar acreditar que isso não era o fim é muita audácia. A capacidade funcional e a facilidade de escapulir de limitações alimentam Araly com autonomia e autoestima.
Se você já foi à Vila ou se ela foi à você, teve um ciclo de habilidades, vigor e afeto na sua fatia. Caso não, que sorte, porque a funcionalidade determinada por Araly é um ciclo. Não cessa. Chame a Vila. Ou Vá.
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