Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Assistir a qualquer documentário de vida animal é ficar entre torcer pela presa e pelo predador. Eu sei que você já passou por isso: acompanhou a onça-pintada (Panthera onca) dedicar-se na tocaia, com um filhote ao lado aprendendo tudo e esperando o momento de jantar, ao mesmo tempo em que você implorava para a fofíssima capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) meter a pata dali. Na minha história, essa capivara felizmente virou comida — e eu explico porquê.
Predadores são cruciais para a manutenção dos ecossistemas, especialmente aqueles de topo de cadeia. Eles cumprem a função de controlar as populações de espécies herbívoras (principalmente, mas não só) e com isso influenciar toda a paisagem de um local.
Isso ficou muito claro no Parque Nacional Yellowstone, uma reserva natural dos Estados Unidos da América onde os lobos (Canis lupus occidentalis) foram definitivamente extintos pela caça esportiva em 1926. Por consequência, o número de herbívoros aumentou e eles começaram a comer muito. As árvores não conseguiam mais crescer e o que era uma floresta virou praticamente pastagem. A vida de todas as espécies foi influenciada por isso.
Em 1994, a agência federal U.S. Fish & Wildlife Service reintroduziu uma alcateia de 14 lobos canadenses em Yellowstone. Sem muitos “sorry”, os lobos começaram a caçar; e as plantas aos poucos conseguiram crescer, as florestas voltaram a se adensar e os rios mudaram de curso. Recomendo assistirem ao documentário sobre esse exemplo incrível da influência dos predadores nos ecossistemas:
É por isso que muitos projetos de conservação têm atenção redobrada em predadores em algum grau de extinção. E por isso que estudar os traços de personalidade de cada indivíduo pode ser crucial para pensar em projetos de conservação mais efetivos.
Um estudo publicado em novembro de 2024 na revista científica Trends in Ecology & Evolution sugere que os traços de personalidade e a plasticidade comportamental de cada animal podem levar a diferentes papeis nos ecossistemas e nas interações entre os seres vivos.
É dizer que a personalidade do predador pode ter consequências diferentes no ecossistema dele, tanto pelas reações dele ao mundo, quanto pela tendência de se adaptar mais ou menos a situações variadas — o que chama-se de plasticidade comportamental.
Pensemos um exemplo: onças que caçam gado em zonas predominantemente rurais. Em condições normais, elas não precisariam arriscar-se em espaços tão diferentes dos habitats naturais delas. No entanto, a urbanização e a degradação das florestas as leva a tomar a decisão de caçar em fazendas.
O que os pesquisadores argumentam é que essa decisão é influenciada pela personalidade de cada indivíduo. Algumas onças podem ser mais ousadas e dispostas a tomar riscos, outras podem ser mais curiosas com objetos e espaços novos (neofilia), enquanto outras podem ter mais tolerância com humanos. Há, é claro, aquelas pouco dispostas a se arriscarem, mudando por completo o comportamento final.
A aplicabilidade do estudo desses traços não é restrita à relação com humanos. “Por exemplo, predadores individuais que assumem altos riscos podem caçar mais regularmente presas maiores do que eles. Essa carniça pode servir como uma fonte crítica de energia e nutrientes para organismos menores e espécies necrófagas raras ou ameaçadas de extinção”, pontuam os pesquisadores.
A pesquisa propõe formas de avaliar traços de personalidade e o impacto deles nas relações ecológicas, mas o que achei interessante foi a possibilidade de refletir como projetos de conservação se beneficiam de verdadeiramente conhecer os indivíduos com quem trabalham.
“Ao enfatizar que esses animais são indivíduos com diferentes preferências e histórias, os pesquisadores podem ajudar a ganhar entusiasmo por planos de conservação que permitam que a heterogeneidade comportamental seja protegida”, defendem os autores. Afinal, quando o assunto é salvar a biodiversidade, qualquer personalidade vale, né?
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