Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
O primeiro filhote de peixe-boi resgatado pelo que viria ser a ONG Aquasis foi cuidado em uma piscina infantil montada no meio de um dos laboratórios do Labomar.
O bichinho era apenas um bebê perdido da mãe que, de repente, se viu rodeado de humanos dedicados em alimentá-lo com uma mamadeira improvisada de garrafa PET. Eles dormiam em um colchão ao lado da piscina com medo de uma perda.
Eles em questão eram calouros da Biologia e da Engenharia de Pesca, entusiasmados em estudar os cetáceos do Ceará — até então, área de estudo inexistente no Estado.
Criaram o Grupo de Estudos de Cetáceo (GECC) e, na gambiarra (no melhor sentido da palavra), montaram coleções de esqueletos de baleias e golfinhos encalhados e começaram um caminho longo para a conservação das espécies cearenses.
Fiquei sabendo da história tim-tim por tim-tim a partir do documentário comemorativo de 30 anos da Aquasis, que estreou no Cineteatro São Luiz nesta quinta-feira, 7.
Com relatos dos sócio-fundadores, viajamos por três décadas de esforços e parcerias que tornaram o que a associação é hoje.
Realmente recomendo que todos assistam ao documentário. Não somente porque o trabalho da Aquasis tem se mostrado eficiente e inspirador, mas principalmente porque há na história deles um ponto em comum para praticamente todos os projetos de conservação a partir da ciência.
Fazer ciência é muito caro. No Brasil, apesar da ciência de ponta ser produzida justamente nas instituições públicas por pesquisadores da pós-graduação, ainda há um precipício de investimento em relação à de países do norte global. É por isso que eu classifico a gambiarra BR como uma palavra positiva.
Os pesquisadores brasileiros são criatividade pura. Criam soluções eficazes com materiais comuns e correntes, fazem descobertas e complementam o conhecimento científico mundial usando esmaltes incolores, garrafas PET, lanternas do celular e mais mil e um artifícios que levariam páginas e páginas para elencar.
Infelizmente, precisam tirar recursos do próprio bolso para viabilizar os projetos.
A dedicação e amor que os cientistas do Brasil têm pelo conhecimento e, principalmente, pelas vidas afetadas por ele é admirável.
Acho até que esse adjetivo é pequeno demais para definir o que fazem nossos pesquisadores.
Acontece que amor não enche barriga. Os cientistas precisam ter condições dignas para viver e financiamentos constantes. As bolsas precisam ser corrigidas acima da inflação, com ganho real.
A publicação de artigos deveria ser barateada. As instituições públicas precisam de estruturas mais modernas…É meio óbvio, né? Mas não é a realidade.
Voltando à Aquasis. Um conjunto de boas decisões e parcerias genuinamente comprometidas garantiu o crescimento da ONG e a entrega de projetos transformadores.
Com o projeto da caixa ninho, o periquito cara-suja (Pyrrhura griseipectus) saiu de uma população criticamente ameaçada de extinção, com menos de 100 indivíduos, para a revoada de mais de 3 mil bebês passarinhos.
O cearensíssimo soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) tem voltado às nascentes do Araripe com o programa de recuperação de ecossistema do Oásis Araripe.
Assim como a Aquasis, outras incontáveis ONGs têm dado uma segunda chance para espécies da fauna e flora (contando os seres humanos, viu?) entre percalços financeiros e estruturais.
E acho que a nossa forma de agradecer deveria ser lutar pelos direitos desses pesquisadores de trabalhar e viver com segurança e conforto.
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