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A saga dos atropelamentos de silvestres continua
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Repórter do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste

Catalina Leite ciência e saúde

A saga dos atropelamentos de silvestres continua

Museu de História Natural do Ceará contabilizou que 137 dos animais empalhados do acervo foram vítimas de atropelamento; Estado não tem levantamento oficial sobre silvestres atropelados
Tipo Opinião
Raposa atropelada na CE-025. (Foto: Acervo Instituto Pró-Silvestre)
Foto: Acervo Instituto Pró-Silvestre Raposa atropelada na CE-025.

No começo do mês de setembro, nós publicamos a reportagem Atropelados em silêncio, ninguém sabe quantos animais são vítimas no Ceará, na qual mostramos como os dados de atropelamento de animais silvestres são praticamente inexistentes de maneira oficial no Estado. E olha que entrei em contato com 17 órgãos públicos e privados — é gente demais para saber tão pouco. Dos retornos, consegui dados com o Instituto Pró-Silvestre (IPS) e, agora, com o Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha (MHNCE).

Localizado em Pacoti (CE), a instituição trabalha com a taxidermização de animais para pesquisa científica e também para registro da história natural do Estado. Entrei em contato com eles em uma tentativa desesperada (sim, é essa palavra mesmo), perguntando quantos dos animais do acervo eram provenientes de atropelamento.

Um mês depois, a resposta chegou: 137 animais atropelados integram o MHNCE. O número parece pequeno considerando a imensidão do Ceará, e com razão. Assim como os dados do IPS, o MHNCE só consegue dar conta de uma quantidade ínfima de atropelamentos, especialmente os que ocorrem na região da serra do Baturité.

“Nós recebemos no museu animais atropelados entregues pela população, pelo BPMA e outros parceiros, além de sempre que encontramos algum trazemos para o museu. Esses dados são, portanto, esporádicos e sem qualquer tipo de padronização de coleta”, explica o pesquisador do museu Marco Aurélio Crozariol.

Atualmente, o MHNCE possui mais de 16 mil exemplares da fauna e flora.(Foto: Divulgação / Uece)
Foto: Divulgação / Uece Atualmente, o MHNCE possui mais de 16 mil exemplares da fauna e flora.

“Como a sede do Museu é em Pacoti, existe uma tendência dos animais atropelados serem da região da serra de Baturité e estradas mais utilizadas pelas pessoas que frequentam o museu (Fortaleza - Pacoti)”, alerta. É dizer que essas 137 mortes estão longe de refletir a realidade dos atropelamentos, principalmente porque os pesquisadores ficam sabendo de outras dezenas de casos que ocorreram muito longe de Pacoti para serem coletados.

Na coleção do MHNCE, o grupo de répteis e anfíbios detém o maior número de vítimas. Foram encontrados 79 indivíduos atropelados, sendo 56 serpentes. Os bichos mais atropelados são a jiboia-constritora (Boa constrictor), com oito vítimas, a cobra-do-mato (Philodryas nattereri), com 6 casos, e seis cobras-cipós da espécie Philodryas olfersii.

Essa é uma informação importante da reportagem principal: em geral, há um viés na coleta de dados de atropelamento de silvestres, pelo qual as mortes de mamíferos e de grandes aves são mais notificadas que as de cobras e sapos. Pesquisas que têm uma coleta mais minuciosa, por outro lado, acabam indicando que são os répteis e os anfíbios as vítimas mais numerosas.

Cobra-cipó (Philodryas olfersii) do Muzeu de Zoologia João Moojen na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa (MG)(Foto: Mateus Silva Figueiredo/Wikicommons)
Foto: Mateus Silva Figueiredo/Wikicommons Cobra-cipó (Philodryas olfersii) do Muzeu de Zoologia João Moojen na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa (MG)

Entre os mamíferos, o MHNCE identificou 36 indivíduos vitimados, dos quais 18 são carnívoros. As espécies mais afetadas são a raposa ou cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), com 10 animais, e o felino vulnerável de extinção jaguarundi (Herpailurus yagouaroundi), com quatro.

Já entre as aves, o museu identificou 22 indivíduos de 21 espécies. A única com dois exemplares mortos é a seriema (Cariama cristata), uma ave de 75 a 90 centímetros que raramente voa; o tipo de comportamento que mais deixa as aves vulneráveis ao atropelamento, de acordo com os pesquisadores ouvidos pela matéria. Os indivíduos das outras espécies do acervo são, em sua maior parte, da família dos anús (Cuculidae).

A maioria dos atropelamentos de aves são provenientes da BR-020, entre Fortaleza e Caridade. Para os mamíferos, anfíbios e répteis, Pacoti e Guaramiranga acumulam casos, com 16 animais mortos em Pacoti e 21 em Guaramiranga. Vale lembrar que ambas estão inseridas na Área de Preservação Ambiental (APA) Serra do Baturité, unidade de conservação de uso sustentável.

Na segunda reportagem sobre os casos de atropelamento do Estado (A biodiversidade do Ceará vive em cerco?), discutimos como, no cenário atual, as espécies não estão à salvo nem mesmo nas unidades de conservação que deveriam protegê-las. Cuidar da fauna e flora não é tarefa fácil, demanda acompanhamento, pesquisa científica, dados bem estruturados… Não basta delimitar no papel um local de conservação — ainda que esse seja um dos passos mais importantes para proteger nossa biodiversidade.

O MHNCE fez um grande esforço na busca de dados de atropelamento a pedido do jornal. Agradecemos imensamente por isso. No e-mail com os dados resumidos e apresentados nesta coluna, o pesquisador Marco Aurélio aproveitou para contar que o museu pretende publicar um trabalho sobre o assunto daqui um ano, “quando teremos uma amostragem melhor”.

Será um passo importante para o Ceará começar a prestar atenção na epidemia silenciosa de atropelamentos de animais.

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