Logo O POVO+
Quem precisa ser ensinado sobre crise climática?
Foto de Catalina Leite
clique para exibir bio do colunista

Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste

Catalina Leite ciência e saúde

Quem precisa ser ensinado sobre crise climática?

Percebi o quanto nosso trabalho tem sido convencer gente rica de que é preciso levar a sério a emergência climática
Vista aérea de Cruzeiro do Sul após as enchentes devastadoras que atingiram a região, no Rio Grande do Sul, Brasil (Foto: Nelson ALMEIDA/AFP)
Foto: Nelson ALMEIDA/AFP Vista aérea de Cruzeiro do Sul após as enchentes devastadoras que atingiram a região, no Rio Grande do Sul, Brasil

Durante uma sessão solene em homenagem ao projeto de extensão Cuida, Criatura! (UFC), na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), me perguntaram: como melhorar nosso jornalismo para informar o público, principalmente as pessoas mais afetadas, sobre a crise climática?

Sem pensar muito, respondi: uma linguagem simplificada é importante. Sair do nicho de “editoria de Meio Ambiente” e ir para outras editorias também, continuei. Mas a verdade é que, quando vamos para a rua entrevistar as comunidades mais afetadas pela crise climática, percebemos que elas são mais informadas sobre o assunto que nós mesmos.

Enquanto as palavras saíam da minha boca, eu percebi o quanto nosso trabalho de comunicação ambiental e científica tem sido necessário para convencer gente rica de que é preciso levar a sério a emergência climática.

Na nossa cabeça colonizada, a tendência é sempre achar que os ricos têm acesso à informação (e fazem algo com ela), enquanto comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, periféricas precisam ser educadas. É de uma ignorância tão profunda, mas ainda enraizada no inconsciente de quem faz comunicação.

Digo mente colonizada porque essa é uma herança da estrutura da ciência ocidental. Não a metodologia científica, mas todo o componente hierárquico e institucionalizado do saber. Porque se o saber científico só pode ser produzido na universidade, e, portanto, por quem tem acesso a ela, então todos os outros saberes — empíricos, espirituais, ancestrais — precisam ser iluminados.

Daí surge a pergunta. O que fazer para comunicar a crise climática para os mais afetados? Nada, ué. Eles já sabem.

Ou não são os povos indígenas os protetores das florestas, os que mais lideram lutas ambientalistas e os que mais morrem nas mãos de grileiros, garimpeiros e ruralistas?

Ou não são os seringueiros, como Chico Mendes e Marina Silva, que colocam a cabeça a prêmio em empates contra os desmatadores? Ou não são pescadores e marisqueiras que lutam contra a ocupação desordenada da zona costeira, brigam pelo fim da derrubada de manguezais e restingas?

No dia 29 de abril de 2023, garimpeiros armados alvejaram três jovens Yanomami. Ilson Xirixana, de 36 anos, levou um tiro na cabeça, não resistiu e morreu às 5h33 do domingo, 30 de abril(Foto: Hekurari/INSTAGRAM)
Foto: Hekurari/INSTAGRAM No dia 29 de abril de 2023, garimpeiros armados alvejaram três jovens Yanomami. Ilson Xirixana, de 36 anos, levou um tiro na cabeça, não resistiu e morreu às 5h33 do domingo, 30 de abril

Na verdade, o que o jornalismo ambiental pode fazer de melhor é garantir espaço justo e equitativo a esses povos para, quem sabe, convencer quem manda no mundo de que logo não haverá mundo para mandar.

O nosso papel deve ser o de empoderar estas comunidades, permitir que elas ocupem as páginas impressas e digitais com a própria voz, o próprio ser.

Porque se o nosso trabalho fosse informar as comunidades mais afetadas, eu estava feita. Não precisaria me sentir triste, nervosa, raivosa ou desamparada ao gritar, com todos os ambientalistas do mundo, de que há um problema sério acontecendo e que os poderosos seguem o ignorando.

Em novembro, mais uma Conferência pelo Clima irá ocorrer, dessa vez em Belém (PA). E mais uma vez o tópico principal será financiamento climático e distanciamento dos combustíveis fósseis. Caramba.

Na prática, são duas semanas dos poderosos do mundo (uns mais do que outros) decidindo se devem cumprir mesmo com suas obrigações de financiar a adaptação e a mitigação climática no mundo. E se devem mesmo parar de produzir combustível fóssil — o grande vilão do aquecimento global, mas, ah!, o dinheiro que ele dá aos ricos é tão irresistível…

O historiador Dipesh Chakrabarty é muito certeiro ao dizer que a mansão das liberdades modernas está sentada numa base de combustíveis fósseis.

É muito difícil para eles aceitar que é necessário reestruturar o alicerce dessa mansão, especialmente porque daria um trabalhão e envolveria gastar muito dinheiro do cofre escondido atrás do quadro de Eugène Delacroix.

Por isso, proponho a pergunta: como melhorar nosso jornalismo para cobrar os ricos sobre a crise climática?

Foto do Catalina Leite

Análises e fatos sobre as pautas ambientais. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?