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Primeiro lugar do top 10 da Netflix, "Eu Me Importo" apresenta vilã nada exemplar
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Primeiro lugar do top 10 da Netflix, "Eu Me Importo" apresenta vilã nada exemplar

Comédia ácida protagonizada por Rosamund Pike reúne ingredientes do suspense criminal em história com personagens totalmente desgarrados da moralidade
Tipo Opinião
A atriz britânica Rosamund Pike interpreta a protagonista-vilã Marla (Foto: Seacia Pavao / Netflix)
Foto: Seacia Pavao / Netflix A atriz britânica Rosamund Pike interpreta a protagonista-vilã Marla

Marla Grayson, a questionável protagonista do longa “Eu Me Importo” interpretada pela atriz britânica Rosamund Pike, abre o filme dirigindo-se aos espectadores. “Olha só vocês. Aí sentados. Vocês se julgam boas pessoas. Não são boas pessoas”, ela diz. De partida, a produção dirigida e escrita por J Blakeson estabelece que não será um conto com lição de moral ao fim - afinal, acompanha as desventuras de uma golpista que trabalha como guardiã legal de idosos somente para, com o dinheiro dos clientes, levar uma vida de luxos. Sem espaço para arrependimentos ou redenções, “Eu Me Importo” existe a partir do exagero da situação. O filme já está disponível na Netflix.

A protagonista Rosamund Pike é reconhecida em especial pelo papel de Amy Dune, personagem do suspense “Garota Exemplar” (2014), pelo qual foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 2015. Tentando não entregar detalhes do enredo, é possível estabelecer conexões entre Amy e Marla tanto do ponto de vista de personalidade quanto de registro de atuação. A diferença crucial, porém, é que em “Eu Me Importo” não há lugar nenhum para sutileza.

Em conluio com a namorada Fran (Eiza González), médicos e donos de lares de longa permanência para idosos, Marla orquestra um negócio baseado em falsos diagnósticos de incapacidade que possibilitam que um desavisado juiz conceda a ela a guarda legal de homens e mulheres que não precisariam daquilo. É assim que ela consegue ter acesso às contas bancárias, posses, bens e imóveis dos “clientes”.

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O roteiro do filme não perde muito tempo - nenhum, em verdade - “justificando” as ações de Marla e Fran. A primeira menção direta ao passado da protagonista vem na fala de abertura do filme, na qual ela avisa ao público que “não existem pessoas boas”.

Eu era como vocês. Achava que trabalhar duro e jogar limpo me levaria ao sucesso e à felicidade. Que nada. Jogar limpo é uma piada inventada pelos ricos para manter o resto de nós pobres. E eu fui pobre. Não combina comigo”, informa.

Rosamund Pike foi indicada ao Globo de Ouro em 2021 pelo papel de Marla
Foto: Seacia Pavao / divulgação
Rosamund Pike foi indicada ao Globo de Ouro em 2021 pelo papel de Marla

Não há contextos sobre o que ela fazia antes ou sobre essa vida de pobreza anunciada. A personagem desponta sem passado e já estabelecida como uma mulher fria, calculista e ambiciosa que não se importa com os meios que a levarão aos egoístas fins desejados.

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Rosamund Pike consegue operar precisamente a personalidade da personagem - em conjunção com o trabalho de maquiagem, cabelo e figurino - a partir do olhar vazio, o sorriso forçado, brilhante e mecânico e a postura rígida.

Pelo papel, ela foi indicada ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Comédia ou Musical. É difícil que ganhe - ou que receba indicações em outros eventos da temporada de prêmios deste ano -, mas o trabalho tem elementos notáveis.

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O ponto de desenvolvimento da narrativa chega quando uma médica envolvida no esquema criminoso sugere que a próxima vítima pode ser a paciente Jennifer (Diane Wiest), uma idosa rica e sem herdeiros. Nela, Marla e Fran encontram nela uma chance de "alta rentabilidade".

O problema é que a mulher não é nem tão sozinha, nem tão inofensiva quanto aparenta ser. A partir daí, “Eu Me Importo” reforça ainda mais o desprendimento da realidade que carrega consigo desde o princípio.

Fran (Eiza Gonzalez, à esquerda) e Marla (Rosamund Pike, à direita) são um casal que aplica golpe em idosos, como Jennifer (Dianne Wiest, no meio)
Foto: Seacia Pavao / Netflix
Fran (Eiza Gonzalez, à esquerda) e Marla (Rosamund Pike, à direita) são um casal que aplica golpe em idosos, como Jennifer (Dianne Wiest, no meio)

O roteiro entra numa espiral de absurdos que têm aspectos ao mesmo tempo envolventes, divertidos, problemáticos e questionáveis. Pode-se compreender o filme como um comentário crítico sobre uma sociedade marcada por pessoas querendo se sobrepor a outras, maldade e bondade, os preços da ambição. e punitivismo, por exemplo.

A produção, porém, não se preocupa nem um pouco com essas possíveis reflexões e opera na lógica do exagero, do artifício e do trabalho em gêneros cinematográficos como ação, policial e crime.

Um escape de duas horas para um mundo onde cobra engole cobra, “Eu Me Importo” é para ser visto sem levar a sério ou pensar muito, em suma. O sucesso nas redes sociais e na própria Netflix - há dias o longa está na primeira posição da lista dos 10 mais vistos da plataforma - demonstra que a proposta funciona.

Eu Me Importo

Já disponível na Netflix

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