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Sutil e engenhoso, "Ataque dos Cães" aborda limites da compreensão
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Sutil e engenhoso, "Ataque dos Cães" aborda limites da compreensão

Com Benedict Cumberbatch, longa de Jane Campion fala sobre família, repressão e atração/repulsa a partir de sutilezas narrativas. Obra já está disponível na Netflix e é cotado ao Oscar de 2022
Tipo Opinião
Protagonista, Benedict Cumberbatch interpreta o caubói Phil Burbank, homem rude e fechado (Foto: Kirsty Griffin / divulgação)
Foto: Kirsty Griffin / divulgação Protagonista, Benedict Cumberbatch interpreta o caubói Phil Burbank, homem rude e fechado

Diz-se que "morre pela boca" quem fala demais, revelando fatos ou informações que podem ser prejudiciais para si ou para outras pessoas. "Ataque dos Cães", novo longa da premiada diretora neozelandesa Jane Campion, não sofre desse mal. Comandando a narrativa a partir de sutilezas e aproveitando pontos-cegos da história, a cineasta constrói uma trama que se desenvolve (e cresce) lentamente, levando o público a uma história sobre medo, desejo, família e repressão.

Faroeste sem armas, o filme se passa no estado norte-americano de Montana, em 1925, e se divide em cinco partes demarcadas. A primeira estabelece o terreno básico da narrativa, apresentando a relação entre dois irmãos, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que comandam um rancho familiar. O primeiro é mais bruto, rústico e sem "traquejos sociais", enquanto o segundo é mais refinado, empresarial e interessado em ascender socialmente.

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Sem apelar para explicações didáticas dos contextos pregressos de cada personagem, o longa demonstra no "aqui e agora" o estado de cada relação retratada. Basta que Phil relembre de um momento entre os dois vivido há 25 anos e que George não esboce reação para entendermos o estágio de distanciamento que se passa entre os dois.

A "pá de cal" na dinâmica fraternal surge nas figuras de Rose (Kirsten Dunst), uma viúva dona de um restaurante, e Peter (Kodi Smit-McPhee), filho adolescente e afeminado dela. George se aproxima romanticamente da mulher após uma visita dos irmãos e dos trabalhadores do rancho ao estabelecimento. Na ocasião, Phil faz comentários preconceituosos contra o jovem, rindo dos trejeitos dele e de arranjos de mesa "de mocinha" feitos por ele.

Filho de Rose, Peter (Kodi Smit-McPhee) é alvo de preconceito de Phil, irmão de seu padrasto(Foto: KIRSTY GRIFFIN/NETFLIX)
Foto: KIRSTY GRIFFIN/NETFLIX Filho de Rose, Peter (Kodi Smit-McPhee) é alvo de preconceito de Phil, irmão de seu padrasto

A partir da aproximação concreta entre as duas famílias, as dinâmicas entre as personagens passam a ter novas configurações, com trocas entre, por exemplo, Phil e Rose, Phil e Peter, Peter e Rose e Rose e George se desenrolando de maneira cadenciada. Cada momento parece algo como uma instalação narrativa encerrada em si mesma, mas com ligações sutis entre elas que impressionam.

Phil segue causando constrangimentos não só aos novos familiares, mas ao olhar da sociedade. Já George busca impressionar o governador e a esposa e, para isso, espera de Rose certos comportamentos que ela não consegue cumprir. A mulher, afetada pelas demandas e bruteza do cunhado, não consegue dar conta. Peter, por sua vez, adquire mais segurança frente aos ataques de Phil e começa a travar embates nivelados com o homem, ao mesmo tempo que vê a mãe se aproximando de uma espiral perigosa

"Ataques dos Cães" desafia, ainda, até a abordagem crítica acerca dele: escrever sobre o filme é um desafio em si porque cada elemento que o compõe tem papel relevante — ainda que pareçam meros detalhes —, e eles, dispostos precisamente, constroem um caminho que só se revela plenamente na conclusão da produção, numa subversão da lógica do que seria uma "virada surpreendente".

Em uma conversa entre os trabalhadores do rancho e Phil, eles miram formações rochosas que rodeiam o local e nas quais o patrão consegue enxergar coisas que os outros não veem. "Tem alguma coisa lá, não?", pergunta um dos homens. "Se não consegue ver, não tem", responde Phil.

Jesse Plemons e Kirsten Dunst como George e Rose, casal do filme "Ataque dos Cães"(Foto: KIRSTY GRIFFIN/NETFLIX)
Foto: KIRSTY GRIFFIN/NETFLIX Jesse Plemons e Kirsten Dunst como George e Rose, casal do filme "Ataque dos Cães"
 

De certa forma, o filme assume em si essa ideia. Aproveitando pontos cegos da narrativa, a direção consegue tornar surpreendentes elementos já mostrados justamente por ir construindo de maneira lenta e precisa cada um deles. Cada cena, momento, silêncio e diálogo são desvelados como se nada fossem, mas guardando em si um mundo de significado.

Ao reforçar os elementos aos poucos, o filme, então, reconfigura perspectivas. Se tudo que vemos é exatamente o que acontece, "Ataque dos Cães", ao desfazer o nó do ponto cego central, traz para a narrativa ensinamentos sobre as possibilidades e impossibilidades de compreender — coisas, situações e pessoas — por inteiro.

Confira trailer:

Ataque dos Cães

Já disponível na Netflix

De Jane Campion. 128 min.

Foto do João Gabriel Tréz

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