Entre aparências e vulnerabilidades, "Elvis" busca humanizar artista
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Em determinada altura de "Elvis", cinebiografia do cantor e compositor estadunidense Elvis Presley (1935-1977) dirigida pelo cineasta Baz Lurhmann, o artista (em interpretação de destaque de Austin Butler) confidencia à esposa Priscilla (Olivia DeJonge) estar "cansado de interpretar" a si mesmo. A cena guarda em si parte essencial das intenções — e contradições — do filme, uma superprodução que busca "revelar" o Elvis por trás do mito a partir de um olhar, ele mesmo, mítico e grandiloquente. O filme entra em cartaz nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira, 14.
Apesar de ressaltar a centralidade do próprio Elvis do título às escolhas de progressão narrativa, o filme é contado pelo ponto de vista de Colonel Tom Parker, empresário do artista por mais de 20 anos. Interpretado por TomHanks, o personagem é apresentado como um narrador não confiável e uma figura vilanesca. Na vida real, Parker foi acusado de explorar Elvis e proibi-lo de fazer shows fora dos Estados Unidos, por exemplo.
Neste sentido, há uma espécie de "divisão" de protagonismo na obra entre o próprio personagem-título e o narrador. O foco é inegavelmente em Elvis, mas há diversos momentos em que há destaque narrativo para Parker. Em termos de créditos de elenco, os nomes de Austin Butler e Tom Hanks aparecem em pé de igualdade, por exemplo, o que depõe sobre o peso do nome de Hanks, decerto, mas também sobre o peso do próprio personagem que ele interpreta.
Veja trailer:
A grandiloquência do longa-metragem é facilmente identificável a partir de duas informações anteriores à obra em si: a duração do filme, que soma 2h39, e o nome do cineasta Baz Luhrmann como responsável pela produção. Diretor dos célebres musicais "Romeu Julieta" (1996) e "Moulin Rouge!" (2001) e dos romances de grande escala "Austrália" (2008) e "O Grande Gatsby" (2013), Luhrmann é reconhecido pelas "mega" produções que capitaneia.
Em "Elvis", o realizador e roteirista lança um olhar com caráter épico e performático para a biografia do artista, apresentando nas quase três horas do longa uma viagem não-linear que compreenda da infância ao ocaso do cantor.
Formalmente, o filme adere-se naturalmente ao universo do cineasta, que usa e abusa de recursos como telas divididas, efeitos e texturas de imagens diversas. Ainda que possa não ser encarado como um musical "propriamente dito" — ou seja, não há presença de canções que concretamente dêem vazão ao desenvolvimento narrativo —, "Elvis" soma diversos números musicais que enchem os olhos, grandiosos e catárticos.
Toda a pompa e circunstância descritas contrastam com o que parece ser, também, uma intenção do filme: contextualizar o artista enquanto ser humano. Esse gesto se dá tanto quando o longa abre espaço para defender Elvis das acusações de apropriação da cultura negra — ao buscar evidenciar que ele cresceu acessando-a por morar em um bairro majoritariamente negro — quanto em momentos nos quais mostra os impactos da pressão midiática nele.
A tentativa de estabelecer uma espécie de abordagem "além do mito" é mais uma das aparentes contradições presentes na obra. Há uma inegável busca por humanizar Elvis, mas tanto há também uma falta de dimensionalidade em determinadas questões — notadamente a das influências da cultura negra na trajetória do artista — quanto uma separação entre o gesto de humanizar e a grandiloquência citada.
A maior humanidade da narrativa parece estar guardada especialmente nas partes que se debruçam na relação entre Elvis e Priscilla, indo do romance juvenil aos problemas da vida adulta. Apesar disso, o relacionamento não é exatamente foco do longa, fato que inclusive reforça as contradições internas da obra — se a ela interessa mostrar o Elvis mais humano, por que não dar mais espaço ao que mais o humaniza?
De certa forma, o filme assume, ele mesmo, algo que o próprio Elvis parece — como sugere a produção — ter assumido ao longo da trajetória artística: uma fachada pretensamente aberta, extrovertida e intensa que esconde uma série de intimidades e questões vulneráveis em aberto.
Exemplo dramatúrgico disso é a sequência na qual o artista tem uma conversa séria e melancólica com Priscila, longe dos holofotes, em um carro. Ao sair do veículo e se dirigir sozinho a um avião, ele para na escada com ar abalado.
Num curto instante, muda o semblante para um sorriso e começa a acenar ao se dar conta que fãs e mídia o observam de longe. Do mesmo modo que Elvis, o cantor, não consegue abrir mão da fachada ainda que esteja cansado de interpretar a si, "Elvis", o filme, também parece figurar entre a vulnerabilidade e as aparências.
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Elvis
Quando: estreia nesta quinta, 14 Mais informações, como sessões e compra de ingressos: Ingresso.com
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