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Documentário reflete sobre amor a partir de cartas dos anos 1950
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Documentário reflete sobre amor a partir de cartas dos anos 1950

Dirigido por Natara Ney, "Espero que esta te encontre e que estejas bem" confia na possibilidade de retomar uma história de amor a partir de resquícios encontrados em cartas escritas há sete décadas
Tipo Opinião
A partir das cartas de amor, a diretora busca saber o paradeiro do casal Lúcia e Oswaldo (Foto: divulgação)
Foto: divulgação A partir das cartas de amor, a diretora busca saber o paradeiro do casal Lúcia e Oswaldo

Cartas de amor são registros palpáveis de intimidade. Ao mesmo tempo, escritos trocados entre pessoas que se amam são também resquícios intangíveis sobre quem os remete e sobre a quem se destinam. Têm caráter inalcançável por serem versões, em papel e narrativa, de si e do outro. Entre o concreto e o sugerido, cartas de amor revelam tanto no que mostram quanto no que escondem. Em "Espero que esta te encontre e que estejas bem", documentário dirigido por Natara Ney, um maço de cartas datadas dos anos 1950 encontrado em uma feira de rua no centro do Rio de Janeiro torna-se a pista de um mistério que move a cineasta a realizar o filme: onde estão Lúcia e Oswaldo, remetente e destinatário das palavras que compõem as 180 cartas, escritas entre 1952 e 1953? Na busca pelo passado/futuro/presente do casal, Natara aposta na crença da possibilidade de encontro — um gesto que reflete, em si, o próprio amor. O filme, que estreou na semana passada em cidades selecionadas, está previsto para chegar no Cinema do Dragão no início de julho.

Apesar das cartas que Lúcia fez para Oswaldo — e das missivas de amor em geral — darem conta das especificidades e complexidades de uma relação, "Espero que esta te encontre e que estejas bem" opta por reconstruir, ao mesmo tempo que o caminho do casal, também questões abrangentes, sociais, geracionais. O íntimo ecoa o coletivo, que responde a ele.

Isso se dá muito por um motivo que extrapola as intenções da realizadora: a falta de somente uma linha para seguir a partir daquele maço de cartas de amor. Ao mesmo tempo em que a intimidade do casal estava a uma leitura de distância, pouco se sabia, de forma "prática", sobre os dois.

Sem mapa para seguir, o documentário se constrói quase que na prática, inventando um caminho possível em busca de Lúcia e Oswaldo. A constante sensação flâneur e divagante de "Espero que esta te encontre e que estejas bem" é apoiada pelo trabalho de montagem do filme, que acolhe, sem peso, as "ruas sem saída" da busca.

A partir das cartas de amor, a diretora busca saber o paradeiro do casal Lúcia e Oswaldo(Foto: divulgação)
Foto: divulgação A partir das cartas de amor, a diretora busca saber o paradeiro do casal Lúcia e Oswaldo

Também sem se prender a elas como atropelos ou nós intransponíveis para a intenção primeira, o documentário segue um fluxo natural, quase que de memória, sem se furtar em criar novas direções no meio do processo.

As relações de espelhamentos e reconhecimentos entre aquela história e o que a extrapola são ressaltadas, ainda, pelo próprio papel da cineasta na obra. Natara está presente como personagem e se coloca na narração enquanto alguém que sente, também, saudades.

Deslocar a narrativa documental somente da carta revela-se uma escolha acertada e que enriquece a experiência ao apostar na identificação entre público, diretora e personagens. Cada pessoa que se soma no caminho, ao ter acesso à história que move a cineasta, tenta desvendar e dar sentido a ela a partir de olhares atravessados por experiências próprias, identificações das próprias trajetórias nas palavras de amor inscritas ali.

Todos os gestos, enfim, realizados em "Espero que esta te encontre e que estejas bem" têm a essência resumida em uma significativa passagem do documentário. Em determinada cena, um senhor, um dos personagens passantes da produção, diz que tudo na vida, incluindo o amor, parte da ideia de ter fé que irá funcionar, irá dar certo.

Filme tem estreia prevista em Fortaleza para o começo de julho, no Cinema do Dragão(Foto: divulgação)
Foto: divulgação Filme tem estreia prevista em Fortaleza para o começo de julho, no Cinema do Dragão

O filme é, ele mesmo, fruto dessa fé, não como algo religioso no sentido estrito do termo, mas como um ímpeto de crença que mobiliza. No livro "Tudo sobre o amor", da teórica do feminismo negro bell hooks (1952-2021), a autora desvela o tema como um gesto revolucionário, descolado do ideal romântico e, à luz psicanalítica de Fromm e Peck, atesta: o amor é o que o amor faz, é ao mesmo tempo intenção e ação.

Cada registro de cada história dividida na produção só existe porque houve, naturalmente, confiança no compartilhamento daquela intimidade. "Espero que esta te encontre e que estejas bem" só existe, também, porque a cineasta teimou em acreditar que perseguir aquela história de Lúcia e Oswaldo a partir de poucos, mas fortes, resquícios iria dar em alguma coisa. Deu. Um lindo filme.

Confira o trailer:

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O documentário tem previsão de estreia em Fortaleza, no Cinema do Dragão, para o dia 7 de julho

 

Mais amores

CINEMA DO DRAGÃO

Neste domingo, 12, o Cinema do Dragão recebe programação especial em comemoração ao Dia dos Namorados em uma parceria com a plataforma de streaming Mubi. Desde ontem, 11, o equipamento cultural cearense vem recebendo exibições presenciais de filmes exclusivos da plataforma. Compõem a lista três obras que foram escolhidas para exaltar amores diversos e genuínos: "Great Freedom" (às 14 horas) "Amor à Flor da Pele" (às 16h20) e "Shiva Baby" (às 18h20). Os ingressos custam R$ 16 (inteira) e é necessário apresentar passaporte vacinal para acessar o cinema.

SELEÇÃO

Enquanto “Espero que esta te encontre e que estejas bem” não chega a Fortaleza, a coluna apresenta uma seleção de quatro filmes que se destacam pelas abordagens que trazem do amor — alguns mais próximos do ideal romântico, outros mais propositivos de outras possibilidades de amar.

Carol. O drama de época dirigido por Todd Haynes acompanha a aproximação espontânea e intensa da aspirante à fotógrafa Therese (Rooney Mara) e a socialite Carol (Cate Blanchett) em plenos anos 1950. Disponível no Looke, Now, Claro Vídeo, AppleTV e Google Play

O Fantasma Apaixonado. De 1947, o filme dirigido por Joseph L. Mankiewicz mostra uma viúva que se muda para um local isolado no litoral britânico e descobre que a casa que habita é assombrada pelo fantasma do antigo proprietário. Pelo viés da fantasia, o longa evidencia o caráter onírico do amor.

Na Cidade de Sylvia. O espanhol José Luis Guerín proporciona no longa uma experiência que reúne, no audiovisual, aspectos vívidos da experiência do amor. A obra segue, de maneira esparsa, um homem que retorna a uma cidade na busca por reencontrar uma mulher por quem se encantou anos antes.

Matrix Resurrections. A trilogia anterior das irmãs Wachowski é reconhecida pelo caráter pioneiro em cenas de ação e abordagem sobre tecnologia. De fato, os filmes se destacam por isso, mas também são, essencialmente, sobre uma história de amor entre Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss). O quarto filme da franquia, assinado por Lana Wachowski, evidencia marcadamente essa intenção ao destacar o poder do amor e o que eles nos oferece em meio às adversidades. Os quatro longas estão disponíveis na HBO Max.

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Foto do João Gabriel Tréz

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