"Não! Não Olhe!" elabora construção de imagens em ficção científica
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
"Não! Não Olhe!" elabora construção de imagens em ficção científica
Novo longa do diretor estadunidense Jordan Peele (de "Corra" e "Nós"), "Não! Não Olhe!" cria terror a partir da chegada de objetos não identificados em rancho
A "revelação" é um artifício narrativo comum para impactar o público em tramas de mistério, uma vez que é natural brincar com as expectativas de uma audiência que busca, em algum nível, por respostas sobre o que foi visto até ali. O desafio principal neste sentido é saber o quanto e como mostrar. É este, de dada forma, o interesse central de "Não! Não Olhe!", novo filme do diretor e roteirista estadunidense Jordan Peele — dos sucessos "Corra!" (2017) e "Nós" (2019). O longa agrega terror, ficção científica, humor e faroeste em reflexão sobre a construção das imagens audiovisuais.
Isso já era notável, inclusive, desde antes do lançamento oficial do longa. Nos primeiros vídeos de divulgação, o mistério da nova trama estava apenas sugerido, provocando fãs a criarem teorias sobre qual seria ele. O pouco que se sabia do enredo à época do início da publicidade de "Não! Não Olhe!" dizia respeito aos Haywood, família que comanda um rancho de treinamento de cavalos para produções de cinema e, um dia, tem o cotidiano atravessado por algo misterioso que vem do céu.
No trailer final, a escolha foi por mostrar mais, o que provocou reações adversas. Entre quem afirmava que o vídeo tinha "entregado" o mistério do filme e quem defendia que "se está no trailer, não é spoiler", "Não! Não Olhe" optou por revelar antes mesmo da estreia que o que vinha do céu era um objeto voador não identificado, sugerindo a presença de alienígenas na narrativa.
Confira o trailer do filme:
O próprio filme, assim, abriu mão de um "mistério" maior e pretensamente "mais envolvente" para dar vazão a acompanhar um processo específico: a criação de um esquema dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) para conseguir filmar e vender as primeiras imagens autênticas de óvnis. A tarefa, no entanto, se revela um desafio em si.
Decerto, o acompanhamento de tal processo traz revelações — como aquelas acerca do que seria exatamente aquele objeto, a relação dele com os Haywood e ainda com outros vizinhos de região, como Jupe Park (Steven Yeun) —, mas não é nelas que o roteiro se demora. Pelo contrário: as descobertas, quando surgem, não soam nem tardias, nem totalmente surpreendentes a ponto de configurarem "plot twists" na produção.
Há uma espécie de aposta na honestidade e até na materialidade das coisas — exemplificada, por exemplo, em diversas sequências que mostram não somente o objeto não identificado de perto, mas inclusive de dentro. Ao invés de seguir o caminho de "esconde-e-mostra" comuns a tramas de mistério, a produção opta por um de maior abertura — mas ainda contando com suspense, tensão, horror.
"Não! Não Olhe", então, mostra mais que o "esperado" e revela antes que o "devido" por preferir a própria imagem do que somente a sugestão dela. Imagens, afinal, se fazem presentes na produção não somente na busca dos protagonistas por aquela que nomeiam de "impossível", mas ainda nas câmeras de segurança, na importante lembrança de uma série de TV dos anos 1980, no inescapável frenesi da cobertura midiática e, também, na referência à primeira experiência próxima à cinematográfica da qual se tem notícia, anterior mesmo aos irmãos Lumière.
Em 1880, o fotógrafo inglês Eadweard Muybridge utilizou-se de uma técnica na qual imagens estáticas que ele fez de um jóquei negro montado em um cavalo, postas em sequência, sugerem movimento. A identidade do homem que aparece na série, que ficou conhecida como "The Horse in Motion" (ou "O Cavalo em Movimento"), foi apagada da história, mas ele é retomado na ficção como um ancestral da família Haywood.
Tal recuperação histórica, inclusive, diz respeito às elaborações feitas pelo filme acerca do impacto da construção das imagens em relação ao uso, diga-se, social delas. No processo de tentar filmar o objeto misterioso, por exemplo, um personagem se pergunta se o que estão fazendo "salva vidas": "Ei, o que nós estamos fazendo é importante, certo? Tipo, a gente documenta, então vai fazer algum bem", busca acreditar. A ambivalência do discurso, entre a esperança e a descrença, ecoa a do próprio filme, interessado em pensar o papel que ele mesmo ocupa nesse jogo.
Não! Não Olhe!
Quando: estreia nesta quinta, 25 Onde: Shoppings Iguatemi, RioMar Fortaleza e Kennedy, North Shopping Fortaleza e Jóquei Quanto: preços variados. Ingressos disponíveis no site Ingresso.com e nas bilheterias físicas das salas
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