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"Alcarràs": lutas íntimas e coletivas a partir da terra
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

"Alcarràs": lutas íntimas e coletivas a partir da terra

Consequências do capitalismo e trocas entre gerações marcam drama espanhol "Alcarràs", que acompanha uma família ameaçada de expulsão
Tipo Notícia
Foto: LluísTudela / divulgação "Alcarràs" segue família que se sustenta em plantação de pêssego e sofre ameaça de expulsão da terra

Uma plantação familiar de pêssegos funciona como microcosmo para um olhar reflexivo sobre capitalismo, pertencimento, laços de parentesco e trocas entre gerações no drama espanhol "Alcarràs". Vencedor do Festival de Berlim de 2022, o longa dirigido por Carla Simón acompanha a família Solé, que sobrevive do cultivo das frutas e se vê de repente ameaçada de expulsão da terra pelo proprietário dos terrenos. A obra está disponível na plataforma Mubi.

Figura de respeito e autoridade na família, o patriarca Rogelio é o remanescente da geração que primeiro chegou àquela plantação. Na época, porém, a ocupação da terra pelos Solé se deu em uma base informal, sem acordos oficiais ou documentos.

É a partir disso que um descendente da família Pinyol, dona da propriedade, busca forçar a saída dos agricultores dali para investir na instalação de painéis solares, em busca de lucro. A ameaça abala as estruturas dos Solé, criando rachaduras entre os irmãos Quimet — casado com Dolors e pai de Roger, Mariona e Iris — e Nati — casada com Cisco e mãe dos pequenos gêmeos Pere e Pau.

Cada membro da família encara de maneira distinta a possibilidade de saída da terra na qual quase todos nasceram e se criaram. Se Nati e Cisco parecem tender a aceitar a oferta de trabalho na empresa de painéis solares em troca da propriedade, Quimet se nega a encarar a ameaça da expulsão como concreta e resiste no cultivo das frutas.

Já Iris, Pere e Pau, crianças ainda pequenas, vivem a situação pelo viés da ludicidade, inconscientes dos meandros da situação, mas atravessados pelas tensões dela. Parceiros de brincadeiras entre as paisagens da região, os primos correm o risco de serem afastados por conta dos posicionamentos antagonistas dos pais.

Enquanto isso, Rogelio tenta buscar a manutenção do clã no local pelo afeto, tentando "conquistar" o herdeiro dos Pinyol pelas memórias. Além disso, o acordo informal feito há décadas entre as famílias parece ser o suficiente para o patriarca como comprovação da posse dos Solé daqueles hectares. Os filhos, porém, não alcançam o desprendimento do pai. O método afetivo e a falta de documentações oficiais são aspectos que se somam para colocar o homem, já envelhecido, em lugar de pouco poder na discussão.

Os adolescentes da família, Roger e Mariona, experienciam da mesma forma que as crianças a ameaça da expulsão, de maneira quase alheia. O que toma os irmãos, principalmente, são embates de ordem íntima, típicos da fase. Ele, mais velho, exerce um trabalho duro e comprometido na plantação ao mesmo tempo em que esconde do pai o cultivo de maconha para uso próprio. Já a menina, em plena puberdade, é marcada por sentimentos de inadequação consigo mesma e a família.

Compondo mosaico de reações à ameaça de expulsão da terra, "Alcarràs" explora diferenças geracionais da família Solé(Foto: LluísTudela / divulgação)
Foto: LluísTudela / divulgação Compondo mosaico de reações à ameaça de expulsão da terra, "Alcarràs" explora diferenças geracionais da família Solé

Independentemente das discordâncias, porém, os Solé se unem por três aspectos centrais: o sangue, a ligação à terra e o fantasma da possibilidade de sair dali. Em meio aos tensionamentos comuns a uma situação de estresse como a proposta no longa, as trocas entre os familiares são marcados por afetos, sejam eles a raiva, o carinho ou a compreensão. Há, decerto, a briga dos irmãos — acentuada pela chegada de uma terceira irmã, Glòria, vinda da zona urbana —, mas há também, por exemplo, na relação entre o avô Rogelio e a neta Mariona o compartilhamento de uma sintonia fina nas trocas que empreendem entre si.

A partir do olhar divagante entre as questões e momentos das várias personagens de gerações distintas, o longa compõe um mosaico profundo e complexo daquela realidade rural. Os embates internos escoam para outros do tipo geracional, que são fruto do embate sócio-econômico que ronda a propriedade.

A costura entre questões pessoais e gerais dá o tom da obra. Unindo as facetas humana e política do problema que ronda a vida da família, "Alcarràs" traça um panorama esperançoso e afetuoso, seja das lutas íntimas ou das coletivas, que escapa do idealismo e da romantização sem perder a ternura.

Alcarràs

De Carla Simón. 120 min.

Já disponível

Onde: Mubi

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