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A crueldade no parquinho
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

A crueldade no parquinho

O preconceito, a ignorância e, principalmente, a falta de informação torna o cotidiano das pessoas com deficiência e suas família uma rotina de crueldade
CAPA - AUTISMO NAS TELAS (Foto: CAMILA PONTES)
Foto: CAMILA PONTES CAPA - AUTISMO NAS TELAS

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— Mãe…eles não querem brincar com o Pedrinho — disse a filha de uma amiga, em um restaurante com parquinho.

A situação poderia ser uma daquelas comuns de implicâncias entre crianças, mas, infelizmente, era algo mais cruel. Bem mais cruel.

— Eles estavam se afastando de Pedrinho por ele ser Down — disse-me a mãe, com os olhos marejados.

— O pior é que nessas horas você tem que bancar a forte, a equilibrada e conter os impulsos mais instintivos que toda mãe carrega, confessou. Tive que, uma vez mais, que bancar a pedagoga compreensiva, segurando a vontade de distribuir cascudos e beliscões democraticamente. Chamei os pais daqueles três meninos de 7 anos. Expliquei a situação. Menti dizendo que compreendia a falta de informação, mas que não toleraria que meu filho sofresse pela ignorância de quem que seja.

— E eles?

— Disseram-me estar envergonhados pelos filhos e pediram desculpas.

— E as crianças receberam alguma orientação?

— Não sei. Eles os tiraram do parquinho e foram conversando para suas mesas.

— Isso sempre acontece?

— Acontecia mais, antigamente, mas ainda ocorre sim. Ocorre isso e a falta de respeito aos direitos das pessoas com deficiência.

— E como você lida com isso?

— Lido lidando do jeito que dá… às vezes tenho mais paciência, outros dias me exalto logo e vamos indo.

— Antigamente existiam algumas campanhas e até propagandas de conscientização, lembra?

— Sinceramente não lembro. Talvez só quando a gente tem uma pessoa com deficiência mais próxima é que percebe o quanto ainda falta para eles serem respeitados.

— São muitas terapias diárias?

— Depende de cada caso, mas no geral você conhecerá a maioria das clínicas de fono, cardiologia, fisio e terapia ocupacional, mas o mais difícil mesmo é ter um dia em que não perceba um olhar atravessado, uma má vontade aqui, uma impaciência acolá, uma falta de empatia ali… Isso é o que dói mais.

— E o seu filho? Ele percebe?

— Percebe sim. Ele e minha filha mais velha percebem. Aí é que me corta as coração. Ela até que tenta defendê-lo, o inclui nas brincadeiras com as amigas, traz pra perto, acolhe.

— E ele?

—Ele faz o que sabe fazer de melhor.

— O que?

— Ele ama.

— …

— Ele perdoa imediatamente quem o tratou mal e ama. Procura fazer amizade. Se aproxima. Faz carinho. Mostra o que sabe fazer e oferece o melhor de si.

— É como se não esperasse nada de volta?

— Acho que espera amor, mas aceita respeito.

Infelizmente ainda existem pais que idealizam a infância como uma época de pureza e ingenuidade, esquecendo que é a educação, em conjunto com informação e orientação que nos fazem superar os instintos mais baixos, a ignorância e a maldade existentes em todos nós.

Educar os filhos para serem virtuosos e acolhedores não é tarefa fácil, sem dúvida. E criar filhos, os protegendo de crueldades e descasos, definitivamente não é um passeio no parque. Nem nas florestas.

Foto do Danilo Fontenelle

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