
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
O interessante quando a gente viaja é que, dentre outras coisas, podemos fazer umas brincadeiras das quais normalmente nos abstemos em terras de muro baixo e conhecidos — além, claro, das experiências inusitadas e costumes que surgem conforme a cultura local.
Semana passada participei de um evento no Rio de Janeiro e me hospedei no hotel conveniado, pelas facilidades do transfer. Era um desses hotéis chiques, com recepcionistas de rostos indiferentes e salões com tantos espelhos que pareciam os de Versailles.
Tive minha primeira lição gratuita de calistenia logo ali, ao me sentar para esperar a liberação do quarto. O sofá era tão profundo e mole que, para me levantar, precisei tomar dois impulsos, contraindo o abdômen e batendo os braços como quem tenta nadar borboleta... em terra firme.
O quarto era maior que esses apartamentos minúsculos que invadem Fortaleza — com antessala, cozinha e um frigobar que nem ousei abrir. O cardápio não tinha preço dos itens. E quando não tem preço, já se sabe: quem se hospeda ali sequer faz questão de pagar setenta reais numa água em lata, importada. Dormi com sede, mas em lençóis dignos de José pós-Potifar.
De manhã, usei a banheira e a sauna privativa como quem se prepara para a chegada de Cleópatra. Apreciei a vista da sacada em espreguiçadeiras estofadas e desci para o café. Uma fila de argentinos se formava em frente ao totem de verificação para o salão. Diziam o número do quarto e o nome para o encarregado, que falava espanhol fluente. Na minha vez, não resisti:
— Habitación?
— Once e bintinueve, caprichei.
— Apellido?
— Nezin da Matilde…
Entrei no salão do café como quem invade, sem querer, um cenário de filme europeu — só que com fome e os lábios ressecados de sede. O bufê parecia mais uma instalação artística do que um lugar para se comer: os pães estavam tão alinhados que me senti num desfile de moda carboidrática, com croissants desfilando mais elegância que eu no meu melhor terno.
Havia uma ilha só de manteigas — com ervas, com limão-siciliano, com um nome francês que eu nem sabia pronunciar.
As frutas? Cortadas em formatos tão perfeitos que pensei duas vezes antes de pegar uma manga fatiada em forma de renda — vai que era decoração. Tinha queijo com nome de filósofo e salmão que, sinceramente, parecia ter sido defumado à mão por um monge norueguês.
Os ovos vinham mexidos com trufas — trufas!, coisa que na minha vida só vi em programa de culinária. E os sucos? Mais pareciam perfumes matinais: melancia com hortelã, maracujá silvestre, e um de laranja-bahia que tinha gosto de camarote exclusivo de Carnaval em uma ilha privativa.
Enquanto isso, um barista — sim, um barista — fazia cafés sob medida como se fosse um alquimista de primeira hora. Eu, com meu pratinho de pão de queijo, me sentia um intruso sorridente num mundo onde até o bacon parecia ter passado por um spa.
Escolhi uma mesa aleatória e, assim que me sentei, aprendi uma lei consuetudinária desse universo chique.
É que raramente tomo café — mesmo no café da manhã. E, pelo jeito, isso parece ser um crime de lesa-pátria hoteleira. Os garçons me cercavam, praticamente a cada minuto, com bules fumegantes, perguntando — em três línguas sem sotaque — se eu aceitava café com leite. Ante minha recusa, se afastavam às pressas, lançando olhares de desconfiança.
A insistência foi tanta que vi uns três cochichando ao longe e apontando para mim. Em pouco tempo, se aproximou o maître. Veio me perguntar:
— ¿Todo está bien, señor? ¿Ha ocurrido algo?
— Non pasa nada…, respondi com minha nova identidade.
— ¿No le gusta un cafecito? Tenemos cafés de todo el mundo, de cosechas especiales.
E eu nem sabia que café tem safra.
— Toma, toma, un cafecito, sí...., insistiu, enquanto três garçons me cercavam. Dois dos bules me esquentavam as orelhas. O da frente mirava minha xícara — mãos engatilhadas.
Sucumbi. Fez-se paz no mundo hoteleiro. Saíram contentes. Fiquei ali, bebericando a xícara sob supervisão. E fiquei pensando: os hotéis podiam ser mais claros. Quando você paga a diária com café incluso, deveriam dizer: “Café da manhã incluso. E obrigatório”.
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