
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
De uns tempos pra cá, tenho recebido postagens que começam mais ou menos assim: “Descobri uma cafeteria maravilhosa! O ambiente é aconchegante e moderno. Totalmente instagramável. Comecei pedindo um afogato de pistache colhido por monges persas em dia de lua cheia, que estava uma delícia, e fulano foi num drinque com cacau plantado debaixo de bananeiras e leite de soja decantado, com toque de laranjeira híbrida.”
Aí seguem imagens do local, do cardápio e do atendimento impecável, culminando com o clássico: “Você não pode deixar de vir aqui!” Mas, no máximo, dizem a rua ou as imediações.
E ficam as perguntas: Qual é o nome do lugar? Onde, afinal, isso fica? Querem que a gente adivinhe? Se já é difícil sair de casa, imagina ter que garimpar o endereço.
Parece bobagem, mas é impressionante como as pessoas se esforçam para descrever prazeres — e se esquecem do básico. Sem informações simples, toda a experiência, por mais encantadora que seja, se torna incomunicável.
O óbvio ignorado acaba sabotando o talento dos donos da cafeteria, a arte dos confeiteiros e até os esforços da equipe de comunicação. São dados pequenos, sim — mas fundamentais. Detalhes que fazem a diferença entre uma vivência que inspira e outra que desaparece no feed.
Esse esquecimento do essencial me lembrou de algo que vai além dos cafés e cardápios. Algo que, segundo li, acontece também com a alma da gente. Dá até pra traçar um paralelo curioso com nossas dores emocionais.
Dizem que nomear o que sentimos — e tentar localizar a origem do que dói — pode ser o primeiro gesto de cura.
Às vezes, não sabemos bem o que sentimos. Mas se conseguimos, ao menos, encontrar um nome aproximado, já damos um passo rumo ao enfrentamento. Algumas dores são profundas e silenciosas.
Escondem-se nas sombras e, quando muito, sussurram através de sintomas. E há dores ainda mais dissimuladas, que vestem máscaras de eficiência e se escondem atrás da constante disponibilidade.
Localizar essas dores é fundamental. Primeiro no tempo, depois no corpo e, mais adiante, na vida.
Descobrir quando começaram já é meio caminho andado para trazê-las à consciência. E só a partir da consciência é possível tentar compreendê-las — e ressignificá-las.
Muitas vezes, essas dores se disfarçam de enxaquecas persistentes, doenças autoimunes, inflamações sem explicação. Ou então se revelam em comportamentos repetitivos, procrastinações, compulsões, exageros, vícios. O sofrimento não ouvido se manifesta como pode — e seu grito amordaçado corrói o corpo e a vida.
E nossa alma tem um GPS estranho: vive recalculando rotas para lugares onde a infância nos deixou sem chão. Infelizmente nem toda infância se parece com aquela romantizada nos álbuns de outras famílias.
Há pais e mães que, seja por suas próprias dores, por incapacidade ou até por uma perversidade narcísica, jamais ofertaram algo além do mínimo necessário e causaram e calaram dores que sabiam provocar.
Mas há um alento: essa jornada de nomear, localizar e tratar não precisa ser solitária. Psicanalistas, psicólogos e terapeutas sabem que o compartilhamento assistido produz descobertas poderosas — inclusive daquelas iras justas, e que também merecem voz.
Talvez o segredo do óbvio seja isso: compartilhar uma experiência — seja uma cafeteria ou uma dor — exige mais do que floreios. Exige nome e endereço. E coragem de sair de si, caminhar até lá, sentar e pedir o cardápio da vida.
Sem isso, tudo vira imagem bonita que não leva a lugar nenhum. E a alma, como o cliente curioso, continua perdida, procurando por algo que nem sabe bem onde fica.
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