
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
De vez em quando a gente conhece uma pessoa que, seja por ingenuidade, seja por falta de noção mesmo, fala uma coisa querendo dizer outra, e o sentido da frase sai completamente de contexto, fornecendo imagens que ninguém suspeitaria.
Um dia desses, conversando com uma ex-aluna que está estudando para concurso de delegada, ela afirmou que já sabe atirar muito bem e que foi seu pai quem a iniciou no esporte.
— O senhor sabe que meu pai me ensinava a atirar, né? Meu pai era pistoleiro profissional e ele me ensinava. No interior, isso é muito comum. Tem que ter coragem e habilidade, né? Minha mãe também era pistoleira. Acho que herdou o talento da minha avó... Aquela sim, era pistoleira de verdade. Criou todas as filhas assim. Lá em casa só tem pistoleira — disse, contando vantagem e fechando um olho para fazer mira com o dedo.
Expliquei que existe uma diferença básica entre ser “atirador” e “pistoleiro”, além do termo no feminino levantar suposições e certezas sobre as detentoras do título bem distantes de um mero alvo.
— Jesus amado! Eu sempre disse isso pra todo mundo! — assustou-se. — Agora entendi por que a gente não era chamada pros aniversários...
Fiquei imaginando a vizinhança fechando as janelas quando essas meninas passavam, os comentários desairosos sobre a “casa das mulheres perdidas”, as mães proibindo os filhos de se aproximarem dessas “pistoleiras mirins”, os sacerdotes olhando de lado para as matriarcas daquela família de devassas e toda sorte de preconceito básico. E, claro, minha imaginação não parou por aí.
Visualizei a cena de um almoço de domingo na casa delas: a avó, toda orgulhosa, limpando a pistola no centro da mesa; a mãe afiando a pontaria mirando o saleiro; e a tia servindo a farofa como quem recarrega munição. O cachorro, traumatizado, latindo só de ouvir a palavra “pistoleira”.
— Mas professor — disse ela, tentando se justificar — a gente sempre foi de família respeitada.
— E, pelo jeito, temida também.
E fiquei pensando que, em qualquer conversa de bar, se um sujeito dissesse “lá em casa só tem pistoleira”, certamente haveria quem mudasse de calçada — ou quem pedisse o telefone da família, dependendo da interpretação.
A confusão só aumentou quando ela contou que já tinha até grupo no WhatsApp chamado “As Pistoleiras”, com foto de perfil tirada no stand de tiro, mas que, por algum motivo, sempre recebia pedidos de amizade vindos de senhores de chapéu, óculos escuros e carros rebaixados.
— Estranho, né? — Tamires comentou.
— Não, minha filha. O estranho vai ser quando convidarem vocês pra um “servicinho” e você achar que é campeonato.
O mais trágico-cômico é que essa aluna é um doce de pessoa, excelente filha, religiosa, estudiosa e admirada por todos. Sabe muito bem o que quer, direciona bem o seu futuro, cultiva valores e preserva a ética em tudo o que faz. Não tem nada de pistoleira, em nenhum sentido.
No fundo, acho que a única mira que faltou foi a da língua. Mas ela jura que está treinando para o bangue-bangue das interpretações — especialmente contra quem se atrever a chamá-la de pistoleira.
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