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Leve-me, love-me, lave-me, lamba-me
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Leve-me, love-me, lave-me, lamba-me

Tipo Crônica
1402demitri (Foto: 1402demitri)
Foto: 1402demitri 1402demitri

Hoje, domingo de Carnaval, por essa hora já estaria virado de sexta para sábado e de ontem para hoje. Cheio de purpurina, vestido de batom preto, tiara de oncinha e parando de bar em bar.

Também já teria ido me imprensar no Mercado dos Pinhões ao som do Luxo da Aldeia e algum acorde de Ednardo.

E num dos dias, que agora não me lembro quais, já teria passado no Sanatório Geral e encontrado Felipe Araújo dentro de uma camisa do Fortaleza. E feliz.

No Carnaval até as catedrais botam pra fora as paixões mais clandestinas. Não tem nada de amor, é só um veranico de quatro dias. É a vontade mais sincera de cambiar o corpo corriqueiro por um mais flaite.

Um corpo que dança sem castidades. Balança desengonçado, requebra sem ritmo e se expõe na ilusão de uma fantasia. E quando ninguém está olhando se arrisca embolado no frevo.

Nasci em um novembro de 1966 e, mesmo pedindo, mamãe nunca me contou como foi aquele fevereiro de Carnaval na vida dela. Até compreendo porque prefere deslembrar, mas queria saber qual foi a fantasia.

Li em algum poste, acho que no Benfica ou foi no post da Ana dos Suspiros, a trovinha que mais me deu vontade de carnavalizar: "Leve-me, love-me, lava-me, lamba-me".

 

"No Carnaval até as catedrais botam pra fora as paixões mais clandestinas. Não tem nada de amor, é só um veranico de quatro dias. É a vontade mais sincera de cambiar o corpo corriqueiro por um mais flaite"

 

Eu sei! A Covid é a mais indizível empata rua do século e é melhor não teimar com a morte. Mas duas pessoas íntimas podem baixar as máscaras e arrochar na aglomeração possível.

Quem imaginaria a Domingos Olímpio sem a pompa dos reis e rainhas negras? Sem a macumbaria dos tambores da noite a dentro do Pingo, do mestre Juca que desce?

É meio isso, o não-Carnaval e a vontade encruada dentro de casa. Inventando playlist, cantarolando uma saudade, jogando serpentina na live, bebendo e passando álcool no corpo, agora, higienizado.

Leve-me, love-me, lava-me, lamba-me... A Rua está estranha sem a lagarta-de-fogo da Lazari, sem o Lucam carnavalesco e Eveline, sem Maurição fora de casa. Tem de ser.

Ainda vai ter Carnaval... Ano que vem e de 2023 para frente... Um dia, Saladino vem e bota abaixo as cruzadas.

Estou em Olinda, ninguém acredita. Descendo e subindo as ladeiras da cidadela. Procurando e nenhum um pé de pessoa voa na sombrinha. Nem Alceu fuma a melhor maconha atômica do Recife Antigo.

Sozinho. Ninguém canta, ninguém flerta, ninguém se atreve a tirar a máscara para beijar na boca. Ninguém é de ninguém porque não há ninguém.

Mas de uma janela, alguém reza alto: "Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço. Quero ver novamente Vassoura, na rua abafando, tomar umas e outras e cair no passo... Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço...". Rezemos.

 

Foto do Demitri Túlio

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