Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Com a pandemia da Covid-19 e o segundo lockdown, o Centro de Fortaleza testemunha a migração da fome aumentar. Gente em busca do que comer. A Casa da Sopa encarna o espírito franciscano dessa partilha
Tem gente ou instituição não governamental que é um alento à existência. Não fosse esse povo, que larga quase tudo na vida pessoal pela rua, a situação de muitos na pandemia seria sem nenhuma refeição.
A Casa da Sopa é dessas luzes. Não são heróis nem heroínas. Não, não. Isso é para os gibis ou para o cinema. Vida real é outra história. É a afeto, é o incômodo também, e a vocação pelo outro ou coisa parecida. Sem pieguismos nem interesse de aparecer.
Estivemos, eu, Cinthia, Júlio e Aurélio, no Centro de Fortaleza. O jornalismo nos puxando para mais para perto de um dos mil olhos e patas da quimera da Covid-19. Sem vacina suficiente, com a pobreza se esgoelando e um governo federal desses, ela só se amedonha.
Gente morrendo de fome e chegando a todo instante para "morar" ou viver parte do dia na Praça do Ferreira ou nas esquinas por onde passa o pessoal da comida. Uma migração que está inchando.
A Casa da Sopa é inspiração. Adia o fim do mundo para muita gente da rua desde 1995. Aprenderam a partilhar antes mesmo dessa nova peste que dizima solitários e desfalca famílias.
É o purgatório? É não. É o tempo que estamos vivendo. Presente. Agora, e sabe-se lá até qual futuro. Num desequilíbrio ambiental e numa acumulação de renda que deu na Covid-19.
Que deu em mais lazeira, que deu no enterramento do Pajeú, que deu em ricos cada vez mais cevados e muitos mais pobres na insuficiência... Tem mais uma onda de extinção correndo solta.
O homem do abacaxi, da esquina da Senador Alencar com Major Facundo - vizinho ao lucrativo Bradesco, ficou sem ter pra quem vender as bromeliáceas doces
Não é brincadeira. Com a pandemia e os necessários lockdowns, o lavador de carro ficou sem automóvel para lavar. O flanelinha, se incomodem ou não os abastados com o loteamento das ruas (essa é uma dinâmica que o capitalismo meritocraciza também), ficou sem ter o que pastorar.
O dono da banca de bombons (não sei nem como vivia antes, mas sobrevivia) ficou sem ganhar a micharia das vendas dos azedinhos e de cigarros a retalho.
Até o lixo está faltando no Centro para as paisagens humanas de Descartes Gadelha reciclarem. A Covid-19 é um desses óleos do fabuloso macumbeiro imortal. Cicatrizes submersas que pularam das telas e estão gritando de agonia no desconfinamento coletivo da miséria.
Nem as mulheres (nem os rapazes) do Passeio, ou dos futuns encardidos ao redor da Santa Casa de Misericórdia, têm mais o direito de ganhar com o corpo. Sim, o vírus arriscou o abraço, o aperto de mão, a língua no fiofó e o que dirá o esfrega (e o beijo na boca) sem máscara e álcool gel.
Mas isso é literatura barata, estou me desviando. A covid, a fome e a morte viraram as melhores companheiras desde 2020. É um choque (burguês) ouvir coisas que não acontecem na beira dos nossos cooktops.
Olha essa. Há no Moura Brasil, no Centro, e provável em outros arraiais, aluguéis pagos por dia. É a miséria desossando os miseráveis. Paga-se R$ 15 reais na diária.
A Casa da Sopa é inspiração. Adia o fim do mundo para muita gente da rua desde 1995
Só se mora no quartinho se, por dia, tiver quinze reais. Mas não é fácil, na rua, ter todo dia 15 reais...
A Casa da Sopa rema com essas histórias. Leonardo Rodrigues e Lídia Valesca, por exemplo, são encarnações franciscanas no meio da rua.
Espíritas da Casa da Sopa na lida com a fome e a escuta do povo das ruas. Segundas, quartas e sextas... 150 quentinhas, água, médicos, voluntários e a vida visível de quem não tem como ficar em casa.
A Casa da Sopa pode ser ajudada: (85) 99741-1492. Ela resolve uma refeição pra quem está com fome no Centro, três dias na semana.
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