Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Semana passada fiquei feliz com uma notícia no Instagram. Uma baleia aparecida nas águas de Iracema indo para o Mucuripe. Até então, só havia histórias de gigantes assim mortos e já encalhados nas praias do Ceará.
Foi uma fortuna nos olhos e o corpo quis correr para o mar do mamífero. Só não fui no sábado, dia da visita inesperada da jubarte, porque estava com minha mãe até segunda-feira resgatando memórias.
Ando mole para qualquer tatinho de bafejo. E contei para mamãe, sobre o mamíferozão, como se eu tivesse visto um dinossauro no quintal comendo os cajus e as mangas delas. Contei igual uma criança.
Aparecer uma baleia, fazer a Cidade feliz por algumas horas? A medonha, mesmo sendo uma infanta de uns quatro ou cinco metros, pode ter se desgarrado do baleal e veio, justo, se perder aqui.
Logo na semana em que o padre Lino foi mais uma vez hostilizado por cristãos. Também nos mesmos dias, Bolsonaro estava entupido de esterco. E, ainda assim, sem sinais de se desfazer da coprofilia e se tornar uma criatura menos enfezada.
"Eu sei que a propriedade é particular, mas a memória é pública. Necessita também ser sobrevivente aos estacionamentos e prédios Dubai"
De segunda a sábado, recebi ainda envios azucrinantes de zaps sobre um golpe militar/civil fajuto a ameaçar os outros. Tramado por viúvos, filhos, netos, sobrinhas e bisnetas de uma ditadura babaquara.
A gente vai cansando desse povo que gosta de se armar nos quartos; que faz de conta que não tem bicha na família; que não suporta pobres e negros na universidade pública nem na particular. E mais e mais quizílias.
Foi ainda o sábado em que recebi da Maísa um bilhete doído por causa da demolição do casarão dos Gondim, na General Sampaio.
Eu sei que a propriedade é particular, mas a memória é pública. Necessita também ser sobrevivente aos estacionamentos e prédios Dubai.
A baleia deu um respiro. Havia sonhado semanas antes, escrevi por aqui, com uma monstra dessas voando carregada por asas de milhares de passarinhos sobre o mar do Castanhão na Jaguaribara velha.
Acho que não é a mesma, se conhecesse a Caatinga talvez largasse o Atlântico. Ou se amigasse com os dois. Um trisal.
"Vou chover até ser rio e me misturar com o mar. Ando mole para qualquer tatinho de bafejo"
Quis ir a semana inteira, pela manhã e à tarde, pastorar o mar. Fazer espera para ter um retrato da baleia aparecida no 14º andar. Não fui.
Mas meu coração tropical, que estava coberto de neve num cofre de ferro na fortaleza Schoonenborch, se derreteu em roseirais de abelhas no mar com a visita inusitada.
Vou chover até ser rio e me misturar com o mar. Vou partir, feito o Corsário de João Bosco, as geleiras azuis da solidão.
Quando baleias aparecem nadando no quintal de casa é algo vindo contra o mau presságio. Ruim é se bolassem entre a onda e a praia sem vida. Aquele tamanhão da morte à porta e a lamentação.
Quem sabe uma encantadora de baleia surja e lidere a cavalgadura no baleal contra o tempo dos domadores, que já passaram e insistem entre machos.
Da tribo Maori, na Nova Zelândia, veio uma menina e quebrou a mesmice da tradição. A baleia é um sonho imenso!
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