Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Dom Edmilson da Cruz, aos 97 anos, insiste em fazer política e emprestar os ossos velhos e rangentes de seu corpo para Lula. Uma derradeira chance para os dois
Na avalanche de fotografias de Lula com alguém no Instagram, na última semana de andanças do petista pelo Ceará, a que mais me pegou foi a dele com dom Edmilson da Cruz.
Não foi as das coxas do sapo barbudo já cheio de idade (e ok!), com a namorada na lua de Icapuí. Uma imagem que foi gerando escárnio sobre a decrepitude dos outros ou qual falocentrismo é melhor pra gente. Se o dele ou de Bolsonaro.
Um besteirol fálico sobre qual macho mais pauzudo dependemos para ser feliz. Rodamos e rodamos e não conseguimos quebrar essa lógica.
Como Dilma foi o único "presidente" incompleto, pois não tinha uma vara e duas bolas, correram com ela feito uma mulher culpada por seu próprio estupro. Somos, essencialmente, "machos" - nós homens, mulheres, crianças e mortos.
Pois bem. Dom Edmilson se derretendo numa casca de quem já lutou muito pelos outros e por ele, bem tortinho (imagino o quanto dói), me atiçou o corpo meio abusado de quase tudo até aqui.
"desejo que o Deus dele não o livre da travessia se ele acredita de verdade numa vida melhor"
Não por piedade aos ossos baqueados dele que entraram nos 97 anos de uso; e ele ainda insistindo no esqueleto sambado para carregá-lo até encontrar Lula. Não, não. Dom Edmilson não precisa de pena.
Faz tempo que não converso com o bispo "pareceiro" de dom Aloísio. Não o visito há anos e com a pandemia ficou mortal. Vacinado duas vezes, imagino que o sacerdote foi lá emprestar a Lula a imagem de sua vida. Nem melhor nem pior que a dele.
Foi sem pretensão de ensinar Pai Nosso para outra raposa experimentada em floresta tocando fogo. Apenas ofereceu sua presença simbólica, representação calejada e prazerosa de sua opção (real) pelos pobres.
E como toda imparcialidade é retórica, querendo ou não, Lula é o galho que sobrou no penhasco. Não é garantia que não se cairá no precipício novamente, mas é o ramo menos cheio de espinhos. Por isso, o bispo por lá. Não é a salvação, mas não há outra saída nesse momento de maldade extrema.
Há uma vantagem intangível em Luís Inácio. Acusado de ladrão, de corrupto, de chefe de uma organização criminosa, ele não fugiu do País quando lhe ofereceram asilo político nem ele quis benefícios de solturas forjadas.
"Lula tem a humanidade de dom Edmilson, apesar de ser falocêntrico. Bolsonaro é desumano e macho demais"
Permaneceu prisioneiro e sustentou que só sairia das grades da PF até decisão da justiça. E, por causa de uma série de investigações midiáticas, politiqueiras e parciais, se viu beneficiado por revisões na Justiça.
Não acredito que Lula seja um gatuno. Foi um deslumbrado com o poder. Um corrupto passivo quando permitiu, por exemplo, que criaturas como Sérgio Machado metessem tanto a mão na cumbuca pública a ponto de ter de devolver R$ 70 milhões. E, ainda assim, viver no nababesco.
Lula tem a humanidade de dom Edmilson, apesar de ser falocêntrico. Bolsonaro é desumano e macho demais. Lula respeita os marcos civilizatórios. Bolsonaro flerta com a barbaridade. Lula não tem vocação para ser miliciano...
Dom Edmilson da Cruz poderia aquietar seus ossos antigos, rangentes. Ficar em casa com a espinha dorsal que não lhe dá tréguas. Mas foi lá emprestar, pela última vez, sua imagem a Lula.
Não por agouro à vida do bispo, desejo que o Deus dele não o livre da travessia se ele acredita de verdade numa vida melhor. Mas pela insistência do legado dos ossos do sacerdote que acredita que Lula terá a derradeira chance de ser menos narciso e mais Mujica.
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