Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Deixa eu te explorar. Você tem alguma história que fermentada pode dar numa crônica? Ando solando bolos. Hoje, estou árido. Sem muita prosa querendo se mostrar. Há dias em que não queremos escarafunchar os monturos da gente nem os carnavais.
Pensei em escrever sobre Miriam Leitão, a tortura e o estúpido que nem sei por que veio ao mundo e ainda insiste em ficar por aqui. Ele poderia se desmanchar na própria parvuleza e parar de encher o saco. Não é porque foi malcriado por uma criatura pior, que a barbárie tenha de ser naturalizada.
A crônica, lembrei, seria sobre a perplexidade de ter assistido "Que bom te ver viva", de Lúcia Murat. Um dia, lá em 1989, vi o documentário e me entreguei aos relatos das mulheres subjugadas por um bando de babacas subservientes à ditadura militar (1964-1985).
Imagino, também, que os embandeirados seriam capazes de torturar ou encomendar uma sessão de escárnio contra alguém
Vejo um carro ou um apartamento com uma bandeira do Brasil e me retorço. Ali, provavelmente, há alguém que defende a tortura. Que faz a defesa de que mulheres, feito Miriam Leitão, Rosa da Fonseca, Dilma Rousseff, Lúcia Murat, minha mãe e Jana Barroso mereceram ser torturadas e desaparecidas.
Imagino, também, que os embandeirados seriam capazes de torturar ou encomendar uma sessão de escárnio contra alguém. Chamar uns capangas, de preferência ex-policiais ou militares desvirtuados, e "conversar no pau" com quem se recusa a existir na pulsão do horror.
Irene Ravache, possuída de uma legião de torturadas e torturadores, delira porque deitaram um jacaré em seus peitos e enfiaram baratas vivas na vagina e ânus. Fico pensando nas mulheres que portam a bandeira do Brasil no carro ou na janela do apartamento.
Ora, ora, noutro dia um empresário babaquara do Ceará mandou fabricar uma peixeira e na lambedeira vazou o rosto do grão-tinhoso e a asneira "mito"
São contrárias ao aborto, pagam o dízimo, mas acham razões para o estupro de jornalistas, camponesas, indígenas e trabalhadoras que não abrem mão da liberdade.
Passei a não confiar nos que já avisam, com a bandeira do Brasil enfiada no carro ou na varanda da residência, que tomem cuidado porque pode ter alguém ali disposto a descarregar, por torpeza, uma arma de fogo em você.
Ora, ora, noutro dia um empresário babaquara do Ceará mandou fabricar uma peixeira e na lambedeira vazou o rosto do grão-tinhoso e a asneira "mito". Inconsequente, o puxa-saco ainda fez ode ao uso das armas para a "defesa do cidadão".
Eu pensava que era só sadismo. Não sabia que na tortura brasileira havia uma cobra, uma jiboia usada para aterrorizar e que além de tudo tinha o apelido de Míriam
O "mito" de araque, só recordando, foi esfaqueado durante a campanha presidencial que levou o Brasil ao rés da fossa. De uma insensibilidade o lambe-botas cearense, de dá dó a inteligência amiudada.
Uma faca que também desgraçou as tripas do cifé eleito e ele nunca mais foi o mesmo no trono ou no churrasco com milicianos, afins e raposas do Centrão.
O empresário babão não entende o que é violência simbólica nem representação semiótica.
Aos néscios que defendem a tortura, porque gozam com a maldade do pai e dos filhos do Anhanguera, deixo Miriam Leitão dizer protejam filhas e filhos de torturadores e bajuladores...
Uma faca que também desgraçou as tripas do cifé eleito e ele nunca mais foi o mesmo no trono ou no churrasco com milicianos, afins e raposas do Centrão
"Eu pensava que era só sadismo. Não sabia que na tortura brasileira havia uma cobra, uma jiboia usada para aterrorizar e que além de tudo tinha o apelido de Míriam".
"Eu não tinha noção de dia ou noite na sala escurecida pelo plástico preto. E eu ali, sozinha, nua. Só eu e a cobra. Eu e o medo. O medo era ainda maior porque não via nada, mas sabia que a cobra estava ali, por perto".
Miriam Leitão foi presa em 1972 por ser militante do Partido Comunista do Brasil. Grávida, foi torturada no quartel do Exército, em Vila Velha (ES).
Na semana que se foi, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) duvidou das torturas sofridas pela jornalista. Ela afirmou que o capitão é um inimigo confesso da democracia.
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