Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
A "Grande Enciclopédia da Fala Cearense", com mais de 10 mil verbetes e expressões da língua portuguesa praticada do rés ao dossel do cotidiano daqui, já nasce um clássico do idioma mutante
Tarcísio Matos é um investigador do modo rueiro e doméstico do falar. Sem fardões, gramáticas e, também assim, especialíssimo.
Olhos, ouvidos e o corpo dele colhendo repalavreados e rearrumações da língua portuguesa. Um apanhador de redizeres do idioma que nos pariu a força e acabamos obrigados à paixão pelo linguajar dos invasores.
O português dos bárbaros que subjugou a língua das nações originárias dessa parte do mundo falsamente necessitada de ser "civilizada". Do sangue misturado com a palavra e até hoje uma recriação frenética da língua nas coxias das esquinas e onde a escola é menos ou já foi fundada no privilégio.
Uma doce jornada, caneta e caderninho, de 45 anos de andanças e anotações sobre o falar, por exemplo, de dentro de um "busão" ou em qualquer possibilidade onde o português subverte a norma regente
Pois bem, começo a prosa assim para apresentar uma preciosidade recém concebida pelo jornalista e escritor Tarcísio Matos. Dois volumes da "Grande Enciclopédia da Fala Cearense".
Uma doce jornada, caneta e caderninho, de 45 anos de andanças e anotações sobre o falar, por exemplo, de dentro de um "busão", no "pé de mosqueiro" ou em qualquer possibilidade onde o português subverte a norma regente. Por necessidade de os brasileiros do Ceará conversarem para existir.
O rapaz de 64 anos, um catedrático na língua falada no rés do cotidiano, é um compulsivo coletor de verbetes e expressões reinventadas para uma comunicação que precisa ocorrer, mesmo sem o letramento e o esnobe "grau de instrução".
Ainda se "escarra" quem "não sabe falar e escrever" segundo o regramento da "língua culta". Um preconceito insistente e o medo de "falar errado" na frente de um "bichão"
Para mais de dez mil achados da fala e ainda uma "ruma" para virar outras publicações. É o tal "cearencês"? É e, também, não é. Para além da "fuleragem" e do batido Ceará Moleque é um português possível em meio a escassez de quase tudo.
Ainda se "escarra" quem "não sabe falar e escrever" segundo o regramento da "língua culta". Um preconceito insistente e o medo de "falar errado" na frente de um "bichão". Também na rua há uma gramática viva e o português mais mutante impossível.
Se se pergunta "deita?" Pode ser o ato de alguém se deitar. Ou poderão ser os naipes postos do baralho na mesa. Também um "meganha" ordenando, geralmente, um preto ir ao chão para um "baculejo" porque o "sujeito" não é "bem parecido" nem "está nos panos".
A "Grande Enciclopédia da Fala Cearense" já nasce "um clássico" da língua falada de outro jeito. É livro para o deleite de quem se apetece do glossário ambulante
Ainda se pode "deitar uma galinha" para tirar uma ninhada de pintos ou "deitar e rolar" indo à forra para "frescar" com alguém. E é possível que "se deite só um poquim", o tempo suficiente de uns "caroços de sono" porque a criatura "tá pegando tainha direto" e poderá "quebrar o pescoço".
A "Grande Enciclopédia da Fala Cearense" já nasce "um clássico" da língua falada de outro jeito. É livro para o deleite de quem se apetece do glossário ambulante, para a "gastura" dos puristas e "pano pra manga" de estudos acadêmicos.
Diz o Tarcísio que a Enciclopédia "é pro sujeito se abrir e adotar isso como segundo idioma". Além dos dois volumes, bem cuidados graficamente por Luciana Pimenta, há um super infográfico ilustrado por estudantes de escolas públicas de Itaitinga e Fortaleza.
Ainda se pode "deitar uma galinha" para tirar uma ninhada de pintos ou "deitar e rolar" indo à forra para "frescar" com alguém
Crianças e adolescentes que participaram do projeto "O Traço e a Fala do Cearensês", uma iniciativa apoiada pela Lei Aldir Blanc e parceria do Instituto Tonny Ítalo, o Espaço Cultural Artes em Conexão, a editora Mentoria das Letras e Secretaria Estadual da Cultura.
A "Grande Enciclopédia da Fala Cearense", de Tarcísio Matos, bem que poderia ser uma oficina sobre a língua portuguesa na Biblioteca Estadual do Ceará, em escolas e, também, na Academia de Letras, no Largo do Rosário dos pretos daqui.
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