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Polícia a pão e chá de erva cidreira
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Polícia a pão e chá de erva cidreira

A pindaíba da pobreza é histórica para o peão de qualquer categoria. No primeiro governo Tasso, nas escolas de formação de praças eram servidos pão sem manteiga e chá no café da manhã
Tipo Crônica
0307_Demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 0307_Demitri

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Há 25 anos, a primeira greve de policiais militares do Ceará era deflagrada de maneira surpreendente em Fortaleza. Começou até de forma "ingênua" e "romântica", mas quase findou numa tragédia e na morte do comandante da PM - o coronel Mauro Benevides e mais pessoas no confronto da Barão de Studart com a avenida Aquidabã.

Um documentário amador está circulando entre policiais sobre os dois dias de rebuliço inesperado iniciados em 29 de julho de 1997. Só para contextualizar, a principal reivindicação era a equiparação do soldo (base dos vencimentos) de um soldado ao salário-mínimo.

A situação dos PMs era de penúria. Um soldado recebia, em média, 320 reais por mês. O soldo era de fome e muito abaixo do já vexatório salário-mínimo de um trabalhador civil, R$ 120. A pindaíba da pobreza é histórica para o peão de qualquer categoria.

 

O almoço era precário para os alunos das escolas de sargento, de cabos e de soldados

 

A PM, sob o comando (em chefe) do governador Tasso Jereissati (PSDB), vinha comendo pão sem manteiga e chá de erva cidreira nas escolas de formação de praças durante o café da manhã. Era assim na Escola de Sargentos, ainda na Mister Hull. Testemunhei, fui aluno interno de lá, em 1987.

Tasso, no auge do segundo governo de uma trinca de mandatos no executivo cearense, tratou literalmente a polícia a pão e chá. O almoço era precário para os alunos das escolas de sargento, de cabos e de soldados. O jantar, tinham dias, em que o menu era mortadela cozida e arroz branco.

A precariedade no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) foi amenizada com a chegada de uma vaca mecânica. Ela produzia um "leite" ruim de soja que, se não salvava a pátria, iludia o bucho dos mais de 200 alunos que já eram utilizados no policiamento num ano de greves.

 

Não havia munição para as aulas de armamento e tiro e quando saíamos para o policiamento na Operação Barro Vermelho era sem nenhuma bala no tambor do revólver 38

 

Em 1997, o tratamento a pão e chá não havia mudado muito nos quartéis nem nas condições ruins do policiamento ostensivo. Em 1987, dez anos antes da greve, nenhum aluno da Escola de Sargentos treinou no stand de tiro do CFAP.

Não havia munição para as aulas de armamento e tiro e quando saíamos para o policiamento na Operação Barro Vermelho, na favela São Francisco e vizinhança, era sem nenhuma bala no tambor do revólver 38.

A primeira greve da PM no Ceará veio porque a maioria dos policiais, de classe social criada para servir ao pessoal do topo da pirâmide, morava em favela e se endividava na bodega. Muitas vezes, eram vizinhos de bandidos que tinham de prender ou fazer vista grossa para não serem atocaiados.

 

Três policiais que haviam participado do movimento fizeram a segurança do então candidato às eleições para presidente da República, em 1998

 

Um detalhe curioso. Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem estava em Fortaleza, veio para a capital cearense dois meses depois da greve da PM. Três policiais que haviam participado do movimento fizeram a segurança do então candidato às eleições para presidente da República, em 1998.

Foi o que faltava para o comando da PM, o secretário Cândido Vargas e Tasso Jereissati lacrarem a expulsão dos sargentos Josué Pereira de Sousa, Marcos Aurélio da Silva e do soldado José Tupinambá Fernandes. Militares apontados como líderes do motim e convidados por José Guimarães, depois da greve, para guarda-costas de Lula, na Concha Acústica da UFC. A 2ª Seção espionou e relatou o evento. 

Foram mais de 300 expulsos. Os três permaneceram fora da PM e, desde então, buscam reparações na Justiça por causa das exclusões. Anos depois, o Congresso Nacional anistiou os policiais grevistas de todos os estados. Apenas o Ceará ficou com pendências.

 

As três rebeliões foram políticas, claro. A primeira foi meio ingênua e sem rumo. As duas últimas emparedaram e amedrontaram a população com armas nas mãos

 

Camilo Santana (PT) até esteve propenso a reconhecer a anistia dos grevistas de 1997. Porém, a terceira greve da PM, em 2020, danosa, partidária e atabalhoada, fez o governador petista recuar e engrossar o pescoço contra intransigentes e bolsonaristas.

Dos três governadores que enfrentaram motins na PM, Camilo foi quem mais reconheceu direitos dos policiais. Isso não é elogio, é fato. De promoções à remuneração. Cid Gomes (e Ciro/PDT) criou o Capitão Wagner (União Brasil) e deu musculatura à polícia do carreirismo político.

As rebeliões foram políticas, claro. A primeira foi meio ingênua e sem rumo. As duas últimas emparedaram e amedrontaram a população com armas nas mãos.

Imaginei, agora, um cenário hipotético. De Wagner governador do Ceará e um motim da PM estourando. Só matutando aqui...

 

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