Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Além de mel lambente, o canto de algum rouxinol no comecinho da manhã para os aflitos. Remedia a angústia e tange o pensamento baldio de querer se jogar da ponte
Há muito tempo que não passarinho. Que não me encontro com um sibite no que resta de Cocó, de Sabiaguaba e de Pajeú.
Faz um tempão que não vou ao rio Ceará ver se saro com os que voam rente ao mar. Maçaricos e garças brancas, alvas mesmo na lama do mangue.
Se eu fosse um médico, um doutor entendido das mazelas e dos intestinos, receitaria também avistação de galo-de-campina, de sabiá-de-laranjeiras, de choró-boi e de socós. Pelo menos uma vez ao dia, se aquietar e ouvi-los.
"Não compreendo, mesmo com tamanha sinfonia dos periquitos-do-encontro-amarelo nas mangueiras da Reitoria da UFC, a censura fincar pé na 13 de Maio com avenida da Universidade"
Além de mel lambente, o canto de algum rouxinol no comecinho da manhã para os aflitos. Madrugada se indo e o paciente a espera dos dobrados encarrilhados. Ô bichinho para cantar e mudar uma tristeza!
Para os desenganados faltam pitiguaris. Eles brincando com a língua: não-choveu-hoje-por-aqui, não-choveu-hoje-por-aqui. Remediam a angústia e tangem o pensamento baldio de querer se jogar de alguma ponte.
Não compreendo, mesmo com tamanha sinfonia dos periquitos-do-encontro-amarelo nas mangueiras da Reitoria da UFC, a censura fincar pé na 13 de Maio com avenida da Universidade. Virou cartilha podre.
De uma violência a existência, ainda, do censor! Tentar calar a Universitária!
Há autoritários que só gozam com passarinhos engaiolados. Regrados pela comida, a água trocada quando querem, a luz acessa a noite toda e a tortura de ter de cantar sem ser livre.
"Faltam passarinhos livres na vida desse povo sem alma-de-gato. Passarinhar. Quase a mesma coisa que flanar"
Da mesma laia autoritária, talvez, os policiais rodoviários federais que sufocaram Genivaldo Jesus dos Santos, 38 anos, até matá-lo na torpeza. Precisava daquilo na passarinhada Sergipe?
Nunca, talvez, tenham ouvido na vida uma casaca-de-couro-da-lama fora da gaiola. Uma saíra, qualquer que seja, um sanhaçu enfiado o bico no amarelo de um araticum-do-brejo. Doce e azedo.
Quem caça, quem arapuca e tocaia passarinhos pode ser capaz de chacinar 26 pessoas - bandidos e não bandidos - no morro carioca da Vila Cruzeiro.
"Receito passarinhar, olhar anuns-pretos, anuns-brancos, anuns-corocas, até urubus. Eles não agouram, são franciscanos"
Faltam passarinhos livres na vida desse povo sem alma-de-gato. Passarinhar. Quase a mesma coisa que flanar. Fitar os pássaros soltos, escutar o verbo deles, se abestalhar esperando beija-flor e se repetir.
Receito passarinhar, olhar anuns-pretos, anuns-brancos, anuns-corocas, até urubus. Eles não agouram, são franciscanos. Prescrevo se encantar com o balança-rabo-de-chapéu-preto e tentar ter a sorte de encruzilhar o caminho com a mãe-da-lua. É sorte, recobra os alívios.
Espreitar devagarzinho, se abraçar com a paciência e esperar. Enxergar o cheiro do som. Imaginar cor por cor, contar com quantos lápis de cores se pintaram os frangos-d'águas-azuis no Lago das Ninféias.
"Comprou até um comedouro e serve frutas para os pica-paus, o casal de saí-azul (a fêmea é verde), os bem-te-vis e um vem-vem amarelo, azul e macho. A fêmea é cor de gema"
Minha irmã Nukácia, depois de avó aos 50 e poucos, descobriu uma janela em Brasília onde aparecem até tucanos. É o Cerrado abundante.
Escreve para mim na euforia da percepção expandida. "Que pássaro é esse?" E "esse?" E "De quem é esse canto?" Ela e a neta Melina voando pela Asa Norte.
Comprou até um comedouro e serve frutas para os pica-paus, o casal de saí-azul (a fêmea é verde), os bem-te-vis e um vem-vem amarelo, azul e macho. A fêmea é cor de gema.
Vai florar um bocado de coisas no corpo delas...
Diz uma conversa de ouvir dizer, no Cocó já existiu até harpia. É fabulação. Imagine como me prazeria, revigoraria até amor mal-acabado, ser levado pela águia gigante para o ninho. Devorado e também a devoraria.
Proponho sentir e ouvir passarinhos soltos, traz até a pessoa amada.
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