Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Vivalda Mafalda me deixou calado e a ruminar, ajudou-me a tanger uma incômoda melancolia. Às vezes, carecemos de cuidados paliativos. Nos despedir do que não precisa mais de existência no corpo. Perder, também, não é ruim. É também.
Ela é uma palhaça que convive há 21 anos, principalmente, com crianças e adolescentes no derradeiro das brevíssimas vidas deles. Não adianta fabular sobre as interrogações.
Veste-se de Vivalda Mafalda Cara-de-Fralda, @vivalda.mafalda o ano inteiro, menos no Carnaval. Não transcende com a folia do tempo decretado para a felicidade.
Vai indo de leito em leito porque acredita que o palhaço diante da enfermidade extrema atua num ínfimo da possibilidade
Nos hospitais, vai indo de leito em leito por onde a chamam ou porque acredita que o palhaço diante da enfermidade extrema atua num ínfimo da felícia ou de uma possibilidade.
Mafalda contou-me uma história que a medicina nunca dará crédito científico, mas experimentou. Tivessem umas disciplinas obrigatórias de palhaçaria nos cursos dos doutores, ajudariam a pelo menos achar proseável o inexplicável.
Quando a travessia se aproxima das crianças breves, há um campo sobrenatural que se mexe entre o viver e se encantar. Um dia, Mafalda recebeu um recado de um menino pedindo para ir vê-lo com certa urgência.
Lívia é a identidade secreta e humana quando a clown está de cara, vestida feita uma anônima no dia a dia
O menino, paciente agravado por uma leucemia aguda indiferenciada - quando o quadro é difícil de mapear e de curar, havia relatado para o médico, que precisava da visita da palhaça "Lívia". Disse o nome e tudo.
Lívia é a identidade secreta e humana quando a clown está de cara, vestida feita uma anônima no dia a dia.
Abordada pelo médico no corredor do hospital onde o menino estava internado, Lívia disse que Mafalda nunca tinha feito atendimento ao pequeno paciente.
Mafalda foi encontrar a criança. Ao vê-la chegar, o menino baixou o pano e se abismou
O caso se deu 2021, em Fortaleza, num hospital que atende crianças surpreendidas pelo câncer. E o pior, ainda num cenário de "The last of us" por causa da contaminante e mortífera covid-19.
Mafalda foi encontrar a criança. Ele passava o dia coberto por um lençol e máscara, não se mostrava mais. Ao vê-la chegar, o menino baixou o pano e se abismou.
"Você veio? No meu sono, você disse pra mim acordar. Você é a borboleta que disse que vinha me levar?". Mais ou menos ele disse isso e todo mundo, até o médico que estava no leito, se derramou em ciscos nos olhos e chuvas.
As borboletas aparecem diante dos olhos de algumas crianças que estão na beirinha da partida
Tem um detalhe, o menino havia saído de um coma de 20 dias e estava entregue ao setor de cuidados paliativos. Teve uma leve sobrevida e, dez dias depois, se transformou em saudade.
Lívia e Vivalda Mafalda contam que as borboletas aparecem diante dos olhos de algumas crianças que estão na beirinha da partida.
Noutra ocasião, Mafalda chegou ao leito de outro anjo adoentado e ele pediu a ela que o visitasse sozinha. Não precisava vir acompanhada.
Acompanhada? Muitas vezes Mafalda está com o palhaço Soneto, sua dupla no hospital. Mas o garoto não se referia ao amigo de Mafalda e coordenador do grupo de pesquisa em clow terapia Bobalhaço (@bobalhaco).
Era, mais uma vez, uma criança enxergando na palhaça um voejar de borboletas. Descrição de meninos e meninas prestes a partir. Há metáfora, há também o inefável. Crianças não deveriam ser breves.
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