Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Chega de derrubar, ano após ano, os troncos dos jatobás, dos angicos. É arcaico e a floresta precisa também gozar na Festa de Santo Antônio, em Barbalha
A Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio precisa ser menos fálica e antropocêntrica com a natureza. Se os homens necessitam exibir um pau que não é deles, medindo 24 ou 25 metros, que o façam, mas deixem de sacrificar árvores antigas na Chapada do Araripe, em Barbalha. Deixai-as viver e fenecer quando for o tempo.
Não é frescura, não. É apenas um pedido de mais delicadeza e sustentação com uma floresta que nada tem a ver com as fantasias sacro, profanas e sexuais de homens, mulheres, padres e um santo.
É ótimo fantasiar. Querer um pau grosso no corpo, projetar-se num tronco roliço e longo rasgando 13 dias de novenas, festas, comilanças e jornas.
Moços e senhores viçando uns nos outros, roçando suados, pau no lombo até entrar triunfal na Barbalha. No resfolegar.
Acho excitante Santo Antônio estar ali para alcovitar alguma possibilidade de flerte, beijo entre bocas, rezas, línguas nas orelhas, sermões e transas depois ou durante as farturas do padroeiro dos namoros e dos casamentos.
É essencialmente heteronormativa a troça. O pau carregado somente por homens para retirar do caritó o feminino e o afeminado
Parece, sinto isso, o "pau de Santo Antônio" é um gozo público agendado para ser esguichado no regalo da multidão em reinação. Uma expiação derramante da precisão do outro em estado de paquera e acasalamento.
É essencialmente heteronormativa a troça, coisa de macho. O pau carregado somente por homens para retirar do caritó o feminino e o afeminado. Machismo também, mesmo que seja atraente a narrativa do chá da lasca ou pegar no pau e se benzer desejante.
Na mata não há necessidade de ir lá para derrubar o tronco do jatobá, da rama branca, do pau óleo, do angico. Deixe-os na floresta, no micélio de 60, 80 anos de uma teia de fungos operando no subterrâneo invisível.
Um angico longevo em pé, e não um "defunto" nos ombros dos machos de Santo Antônio, é vida em abundância
Para um comprimento de 24 metros e uma madeira avantajada no diâmetro são necessárias cerca de dez décadas de existência para o jatobá cortado e, por colaboração natural, para a sucessão de outros seres da brenha.
Um angico longevo em pé, e não um "defunto" nos ombros dos machos de Santo Antônio, é vida em abundância para a fauna associada, insetos em milhões, passaredos e para o próprio ser humano dizimador.
É colonial a mentalidade tosca de que a "cultura e a tradição" estão por cima do direito à vida de qualquer ser vivo na Terra. Não estão.
Por isso as aberrações persistentes das vaquejadas nordestinas, dos rodeios sulistas, das touradas espanholas, das caçadas por divertimento, dos zoológicos, da existência de gaiolas passaradas. É arrogância humana e hereditária.
Os homens ainda permanecerão na "tradição" de mais de um Século. Vicejando uns nos outros, na roça luxuriosa
Antônio Sérgio, botânico, sugere a reutilização do pau da festa do ano passado. Simples.
Deitá-lo na "cama" de madeiras, cuidar dele com alquimias, óleos, amarrar fitinhas, reforçar com ferro o herético e carregá-lo até quando der. Ou então, usar o tronco do eucalipto já plantado para o corte.
E todo junho voltar com ele para a mata onde foi morto e fazer o caminho de retorno a Barbalha nada santa. Empiná-lo no patamar da Matriz para o embandeiramento, o foguetório, a benção e a rapioca depois das quermesses.
Os homens, centenas deles carregando anos após anos, ainda permanecerão na "tradição" de mais de um Século. Vicejando uns nos outros, na roça luxuriosa, os rostos atochados na fotografia entre o prazer e a dor de levar e compartilhar o pau de Santo Antônio.
A floresta do Araripe gozará também e agradecerá a partilha do regalo.
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