Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Há uma fauna praticamente invisível de se perceber na destruição do fogo a hectares do Parque do Cocó. Caso dos universos de insetos que vivem no mediano da mata, no dossel das árvores da floresta de mangue e, principalmente, no rés do solo onde há os começos e, também, os finamentos.
Escrevo sem nem conhecer a enciclopédia dos insetos que nunca foram catalogados no trecho que toca fogo no Cocó e até o mar. É desconfiança de quem vive para cima e para baixo numa floresta-sobrevivência que se defende da Cidade ao redor.
É o desenho das fortalezas de marimbondos em meio ao fogo alastrante no rente do chão, nas raízes aéreas, na matéria orgânica acumulada e renovante nas jornadas da floresta.
Os homens e mulheres morrem aqui fora, se enterram em caixões e não suspeitam de outros planetas no "invisível" do mangue. O mar é também outra dimensão.
"Ali, uma árvore morta, apodrecida, nunca estará morta. Está na permanência e continuará em estado de vivência"
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Muitas árvores já mortas, derretidas na ardência do fogaréu. Cinzas de dar dó! Também uma conspiração da vicissitude ou caso pensado do que é selvagem e não somos capazes de nos misturarmos. Povo civilizado, educado, doutor, consumidor de Coca-cola e dos shoppings. Eu também.
No mangue há uma abundância de finais que dão significados às ressurgências. É um "cemitério" de viventes e finados que se revezam entre o existir, o desaparecer e o refazer-se, se a mata não for violentada no fogacho.
Ali, uma árvore morta, apodrecida, nunca estará morta. Está na permanência e continuará em estado de vivência. Da larva que se enterra no corpo do tronco e o consome ao arapaçu-de-bico-branco que irá vivê-la na captura.
A larva habita nele até ser expulsa nas fezes e tudo volta renascença no relicário insistente da mata. Não é parte com o catecismo cristiano da crônica sobre a origem do mundo. Não. É religare sem Deus, apenas divindade.
"Nós que somos embaçados, fracos dos micélios, desenxabidos do McDonald's descartado no mangue não conseguimos chover nem permitir a refazenda"
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O mangue é um vivo-morto, um falecido ressurgente. O tempo todo uma destruição ele mesmo e volver. O indizível da ficância, é morte e vida a cada nesga. Não está nas teses, é poesia feito o milagre da rebrota.
Nós que somos embaçados, fracos dos micélios, desenxabidos do McDonald's descartado no mangue não conseguimos chover nem permitir a refazenda. É a carência no corpo que precisa da parte do não-humano e não seremos nunca floresta.
E sobre o fogo, ele também é preciso. Mas sem ser o de tocaia premeditada pra inexistir fauna e flora. O cheiro da mata ardendo tem cheiro agradável sim, traz fogueira e memória, São João braseiro e casar de mentirinha com a menina que nunca quis você porque se achava a mais bonita da dança... Mas incêndio em dolo, não.
"Há dois anos, estive no incêndio na Murilo Borges. Prometeram, fizeram performances e veio outro incêndio doloso, agora. E não replantaram nem repassarinharam nem reinsetaram nem reraposaram nem nada..."
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Esta missiva fedendo a fumaça, crônica cheia de chamuscos, é para Elmano de Freitas se reflorestar. Pode ser com o MST. Não vejo empecilho, enxergo possibilidades.
Eles sabem serenar sementes, limpar o lixo e saberão ser cuidadosos com o Cocó sempre precisando cicatrizar dos homens.
A gentileza poderia se estender para o rio Ceará, para o Maranguapinho, para o maltratado Pajeú, para o Maceió, para o povo de Santa Quitéria e a ameaça do urânio... Inexplicável contradição da política e do lucro.
Há dois anos, estive no incêndio na Murilo Borges, infelizmente. Na outra banda do Parque do Cocó. Prometeram, fizeram performances e veio outro incêndio doloso, agora.
E não replantaram nem repassarinharam nem reinsetaram nem reraposaram nem nada...
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