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A árvore do Jatobá e a Casa Comum
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A árvore do Jatobá e a Casa Comum

Não é blandícia sacrificar pés de jatobás e afins por uma festa, mesmo com o aval da compensação por órgãos ambientais. Um jatobá de 24 metros leva décadas para virar uma árvore-senhora da idade de nossas avós e bisavós
Tipo Crônica
2805demitri2 (Foto: carlus campus)
Foto: carlus campus 2805demitri2

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Santo Antônio não é violento. Não ameaça ninguém de morte. Não esbraveja em estado de facção nem tenta territorializar a opinião alheia. O mundo é a Casa Comum de todo bicho de orelha, de folha, de asas, de barbatanas e dos que se arrastam ou dos invisíveis que nem concebemos. Em Barbalha ou na Irlanda é a mesma Terra.

O puritanismo, o cartesianismo geográfico de fronteiras, o lixo, o desmatamento, o mar asfixiado no plástico e o antropocentrismo são Cidades fatigadas dos homens toscos. O problema do mundo é a criação danosa de uma espécie de humano autofágico.

Pois bem, terão minha eterna solidariedade todos os pés de jatobás, de angicos e quaisquer árvores sacrificadas para uma festa que poderia deixar de mão a mata. Festejos, gandaias e troças sempre serão bem-vindas.

 

E quanto a crônica, esse formato narrativo do cotidianesco, saboreia quem não é lapuz ou quem não se apraz. Não é das minhas pitangas

 

Dançar Santo Antônio, em qualquer canto da Terra, será sempre um prazer porque o corpo deu a ele a permissão para ser brincante. A violência e o preconceito não têm lugar na folgança.

Na permissão, repito, do corpo que carece de regalo. Sem a macheza do machismo nem o brutesco da heteronormatividade. Tanto sou machista quanto sou heteronormativo, infelizmente. Isso é devastador.

E quanto a crônica, esse formato narrativo do cotidianesco, saboreia quem não é lapuz ou quem não se apraz. Não é das minhas pitangas, é da vidinha egocêntrica indo e vindo.

 

Não é mais admissível que por ser uma das mais bonitas árvores da Chapada do Araripe, frondosa, fogosa, a mais grossa e tonelada

 

Salve a folia de Santo Antônio! Vida desmedida pra ela e seus brincantes não-violentos! Salve também o longevo direito do jatobá.

Não é mais admissível que por ser uma das mais bonitas árvores da Chapada do Araripe, frondosa, fogosa, a mais grossa e tonelada... A mais vigorosa ou uma das mais compridas até o céu... 23, 24, 25 metros...

Que por chamar atenção na mata e ter a promessa natural de chegar aos 40 metros se não for derrubada pela ação do tempo ou, equivocadamente, pela mentalidade antropocêntrica...

Que por ter chegado à idade de nossas avós, de nossas bisavós... por ter sobrevivido 70, 80, 100 anos...

Que por ser uma “senhora” árvore do jatobá, de fruto de gosto forte...

Que por ter carregado ninhos e voado com sucessões de passaredos e outros seres... Não seja aceitável ser interrompida da existência.

Não é blandícia sacrificá-la, mesmo com o plantio de outras.

Por fim, me abraço a Francisco – o papa. Abraço-me a Francisco, o de Assis e de Canindé. E a todo Antônio e Antônia que não professam a violência nem a morte de qualquer ser vivo. Humano ou não.

Ofereço a "Laudato Si", do Papa Francisco, para ser lida durante a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio e nas homilias.

"Laudato si', mi' Signore – Louvado sejas, meu Senhor", cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços:.

Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras.

Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.

A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que "geme e sofre as dores do parto (Rm 8, 22).

"Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra" (cf. Gn 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos".

Salvem os pés de jatobás, de angicos e de afins nativos e nativas. Nada justifica o humano assassinar uma flor que seja. Convivê-la.

Glorioso Santo Antônio, por favor, interceda pela mata também!

 

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