Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Ao Carlus Campos, por mensagem pelo WhatsApp, sugeri que fizesse uma ilustração de um ser que dava de mamar. O corpo seria de uma gata com cauda, a cabeça de uma mulher e os mamantes: seis porquinhos esfomeados.
Foi a imagem que me veio quando abandonei o texto de uma crônica quase concluída e resolvi, às 16h59min da sexta-feira, parir outra narrativa. Um tema totalmente diferente do que havia concebido. A sexta é o dia em que tenho de entregar a coluna no jornal.
Depois, voltei a falar com o Carlus e perguntei se daria para colocar seis filhotes diferentes pendurados nos peitos da amamentadora. Um porquinho, uma baleia lactante, uma cachorra baby, um bicho humano, um rinoceronte branco e uma borboleta macho.
Pedi na cara de pau ao artista fino e ele, gentilmente, respondeu que daria certo o devaneio Ionesco...
Era assim o machismo quando mamãe tinha corpo de moça bonita e foi expulsa do convento
Tenho impressão de que minha mãe não teve tempo de escolher se queria ser a materna de seis filhos. E ainda mais quando teve de criá-los sozinha sem emprego - porque meu pai a tirou do trabalho quando namoravam (por ciúmes) - e, também, a desestimulou a concluir o correspondente, hoje, do ensino médio.
Era assim o machismo quando mamãe tinha corpo de moça bonita e foi expulsa do convento das freiras alemãs, sediado em Recife. Correram com ela de lá porque uma postulante não podia rir e ela se mijava de encantamento até com uma procissão de guaiamuns.
Voltou para Fortaleza, frustrada. O plano era ser transferida noviça para a Alemanha dos anos 1970 e, de Frankfurt, se embrenhar em outros mundos para além das plantações de coentro, cebolinha, chuchu, batatinha, jerimum e sobrevivências de meus avós em Aratuba, na província do Ceará.
Tampouco desenhou partejar seis criaturas, berros, febre, miadeiras, fraldas com cocô
Não sonhava em ser freira de uma congregação alemã nem incluía se casar com algum macho naquele capítulo da existência. Tampouco desenhou partejar seis criaturas, berros, febre, miadeiras, fraldas com cocô, noites de insônia e apenas transas procriativas.
Terminou casando-se, virgem, com meu pai e descreveu ter sido incomoda a primeira noite da menina. Uma estranheza a falta de tesão dela nos começos e depois ir se acostumando, até "aprender a gostar" das fornicações quando não estava buchuda.
Conheci mamãe muito devota de Maria Santíssima, Senhora dela e modelo de vida até hoje - mesmo com os vãos dos pensamentos incompletos e nos precipícios da memória volátil.
E ainda se é cruel com quem não pode ser materna ou preferiu não parir nem adotar
Ela nunca confessou que em algum dia teve vontade de afogar no Cocó os seis filhotes num estado puerperal de aperreio. Seria inimputável. Jamais admitiu porque uma mãe "empenhada na missão" considera sagrada viver a maternidade.
Mas a maternidade é meio um mito que contaram pela metade às meninas e isentaram os provedores machos. E ainda se é cruel com quem não pode ser materna ou preferiu não parir nem adotar.
Só quis dizer para dona Maria Edmar, quando fiz a pergunta sobre sumir com as crias, que a amo nas imperfeições e na coragem das onças.
Quem sou eu para julgá-la. Te amo incondicional e agradeço pelas desconstruções.
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