Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Todo ano digo que estou doido por uma festa de São João, pra gastar meu forró peba. Do jeito que meu corpo quiser dançar, odara ou não. Carrego-o para onde ele quiser revoar.
O mesmo talante todo ano. Desejo alguém que me dance, sem passinhos treinados, no vau da sarapalha. Vá com as sanfonas bulinadoras dos pés, rebolar a cintura, querer ser os Secos e Molhados numa serpente linda que se bole.
Gosto de dançar com moças, nenhuma rejeição aos moços. Poderei dançar, um dia, se houver dança. Porque o delas, o corpo recita e não há essa de levá-las imperativamente, é um corpo só e a dançadeira também me arrasta.
"Uma canjica de rituais pagãos, indígenas, afros e cristianos"
Deixo de ser macho, endurecido de vergonhas, para passar uma noite de Santo Antônio se arrastando com quem tem dança. Todo mundo é dançatriz. É gozo.
Sexta que se foi, foi dia de Santo Antônio no mundo novo invadido pelos bíblias da Coroa. Ficou a tradição. As primeiras fogueiras de paus virgens, a vontade de namorar, as quenturas e o corpo no corpo do outro se aceitar.
Sexta-feira, em Barbalha, teve novamente uma festa linda, apesar de machista e insistentemente antiecológica contra o viço dos pés de jatobás.
"Pra mim, Santo Antônio de Barbalha é a melhor e a mais bonita festa dos afetos entre machos dos sertões"
Linda porque é suspirante junho, uma invenção alienígena para memorar a colheita ou se apoderar da cultura alheia. Uma canjica de rituais pagãos, indígenas, afros e cristianos.
Lindo festejo e a vontade de se roçar, de se deixar se banhar no suor de quem se ama pela primeira vez ou parece que o beijo ainda é melhor do que o primeiro.
Pra mim, Santo Antônio de Barbalha é a melhor e a mais bonita festa dos afetos entre machos do Ceará e dos sertões úmidos e braseiros do Cariri cearense.
"E não é remoque nem debique. Apesar da bisca fálica e sempre machista na perenal metáfora do brincar com um pau"
Aqueles homens brincando de Riobaldo e Diadorim, carregando um pau gigantesco, grosso e melado da suadeira de mais de cem machos; e o prazer de amarem-se uns aos outros naquele transe itinerante.
E não é remoque nem debique. Apesar da bisca fálica e sempre machista na perenal metáfora do brincar com um pau, a festa não há quem diga que não é lindo o fogo dos suspiros e esperas. E com as bênçãos do bispo e de nosso colonialismo festivo.
Poderia apenas, rezo mais uma vez, preservar o tronco do jatobá mais bonito da floresta, a mais bela das árvores. A mais xamante.
"Não é preciso ira contra o meu amor pela Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha. Redigo, a festa é uma boniteza"
E ali, talvez, as moças são apenas prendas. Talvez. Nunca, nenhuma delas carregou o pau. Coisa de homens e apenas eles, a tal tradição. Me diga, então?
Meu reclamo é simples e amoroso enquanto for assim. Não é bonito ir à mata, caçar a árvore mais encantada, das mais vistosas, a mais cheia de fadas e matá-la.
Ela não tem estado de defesa e derrubá-la por motivo vão? Um sacrifício açoite, sem compaixão.
Contumaz é repetir-se, ano a ano, o corte com o aval do Iphan, do Ibama, da Semace, da Sema e da Prefeitura de Barbalha. É torpe, todo junho, o jatobá mais gigante ser carregado defunto até o patamar da matriz. É desamor pela a vida da árvore.
"Não carece ira! Ternura é a simpatia"
E tal qual os homens machos já adulterados para a morte do jatobá, pequenas festas se repetem entre crianças nos distritos e vilarejos do Cariri. Não carece ensiná-las a sacrificar a mais bonita árvore.
O que fizeram com o troco do jatobá do ano passado? E do ano retrasado? Antônio compreenderá o pedido de São Francisco. Não carece ira! Ternura é a simpatia. E viva, perpétuo, a Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha!
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