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São Francisco de Santo Antônio
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

São Francisco de Santo Antônio

O que fizeram com o troco do jatobá do ano passado? E do ano retrasado?
Tipo Crônica
1506demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1506demitri.jpg

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Todo ano digo que estou doido por uma festa de São João, pra gastar meu forró peba. Do jeito que meu corpo quiser dançar, odara ou não. Carrego-o para onde ele quiser revoar.

O mesmo talante todo ano. Desejo alguém que me dance, sem passinhos treinados, no vau da sarapalha. Vá com as sanfonas bulinadoras dos pés, rebolar a cintura, querer ser os Secos e Molhados numa serpente linda que se bole.

Gosto de dançar com moças, nenhuma rejeição aos moços. Poderei dançar, um dia, se houver dança. Porque o delas, o corpo recita e não há essa de levá-las imperativamente, é um corpo só e a dançadeira também me arrasta.

 

"Uma canjica de rituais pagãos, indígenas, afros e cristianos"


Deixo de ser macho, endurecido de vergonhas, para passar uma noite de Santo Antônio se arrastando com quem tem dança. Todo mundo é dançatriz. É gozo.

Sexta que se foi, foi dia de Santo Antônio no mundo novo invadido pelos bíblias da Coroa. Ficou a tradição. As primeiras fogueiras de paus virgens, a vontade de namorar, as quenturas e o corpo no corpo do outro se aceitar.

Sexta-feira, em Barbalha, teve novamente uma festa linda, apesar de machista e insistentemente antiecológica contra o viço dos pés de jatobás.

 

"Pra mim, Santo Antônio de Barbalha é a melhor e a mais bonita festa dos afetos entre machos dos sertões"

 

Linda porque é suspirante junho, uma invenção alienígena para memorar a colheita ou se apoderar da cultura alheia. Uma canjica de rituais pagãos, indígenas, afros e cristianos.

Lindo festejo e a vontade de se roçar, de se deixar se banhar no suor de quem se ama pela primeira vez ou parece que o beijo ainda é melhor do que o primeiro.

Pra mim, Santo Antônio de Barbalha é a melhor e a mais bonita festa dos afetos entre machos do Ceará e dos sertões úmidos e braseiros do Cariri cearense.

 

"E não é remoque nem debique. Apesar da bisca fálica e sempre machista na perenal metáfora do brincar com um pau"

 

Aqueles homens brincando de Riobaldo e Diadorim, carregando um pau gigantesco, grosso e melado da suadeira de mais de cem machos; e o prazer de amarem-se uns aos outros naquele transe itinerante. 

E não é remoque nem debique. Apesar da bisca fálica e sempre machista na perenal metáfora do brincar com um pau, a festa não há quem diga que não é lindo o fogo dos suspiros e esperas. E com as bênçãos do bispo e de nosso colonialismo festivo.

Poderia apenas, rezo mais uma vez, preservar o tronco do jatobá mais bonito da floresta, a mais bela das árvores. A mais xamante.

Não carece todo ano sacrificar a árvore mais alta, mais grossa, mais frondosa, por causa de uma festa dos homens machos.

 

"Não é preciso ira contra o meu amor pela Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha. Redigo, a festa é uma boniteza"

 

E ali, talvez, as moças são apenas prendas. Talvez. Nunca, nenhuma delas carregou o pau. Coisa de homens e apenas eles, a tal tradição. Me diga, então?

Não é preciso ira contra o meu amor pela Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha. Redigo, a festa é uma boniteza e tenho apreço pelo grande fulgor coletivo naquela freima entre os homens na carregadura do pau. Não é deboche, dichote jamais.

Meu reclamo é simples e amoroso enquanto for assim. Não é bonito ir à mata, caçar a árvore mais encantada, das mais vistosas, a mais cheia de fadas e matá-la.

Ela não tem estado de defesa e derrubá-la por motivo vão? Um sacrifício açoite, sem compaixão.

Contumaz é repetir-se, ano a ano, o corte com o aval do Iphan, do Ibama, da Semace, da Sema e da Prefeitura de Barbalha. É torpe, todo junho, o jatobá mais gigante ser carregado defunto até o patamar da matriz. É desamor pela a vida da árvore.

 

"Não carece ira! Ternura é a simpatia"

 

E tal qual os homens machos já adulterados para a morte do jatobá, pequenas festas se repetem entre crianças nos distritos e vilarejos do Cariri. Não carece ensiná-las a sacrificar a mais bonita árvore.

Que se guardem os troncos de todos os jatobás derrubados, até aqui, e se ofereça ao Santo um pau reaproveitado. Tenho respeito pelos festejos. 

O que fizeram com o troco do jatobá do ano passado? E do ano retrasado? Antônio compreenderá o pedido de São Francisco. Não carece ira! Ternura é a simpatia. E viva, perpétuo, a Festa do Pau de Santo Antônio de Barbalha!

 

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