Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Talvez o último jornalismo comunista tenha se despedido daqui. Gervásio de Paula, do Pasquim e do Mutirão, travou contra a ditadura cívico-militar (1964-1985)
Foto: foto divulgação/Arquivo pessoal com intervenção gráfica Cristiane Frota
GERVÁSIO iniciou a trajetória no Jornalismo em 1950
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Ainda tenho encantamentos pelo jornalismo. Provavelmente, isso cessará depois de minha travessia. E tenho admiração por jornalistas, mais por repórteres. Os que a seus modos, escreveram ou reportam sobre a história dos cotidianos.
Por último, partiu Gervásio de Paula. Fui a sua despedida no Sindicato dos Jornalistas do Ceará. Abracei-me com as filhas jornalistas - Janaína e Giovana de Paula. E com Juliana, minha amiga de ferros e psicóloga-narradora.
E vi vários filmes por lá e sambas na UTI derradeira. Depoimentos sinceros a um morto por suas brutezas e delícias. E o neto Lucas fez a melhor declaração sobre Gervásio.
Não carpiu rogo, mas o respeitou por um momento aleatório e, depois, reconheceu ser parte do "senhor Gervásio". O ínfimo foi um presente na infância, um livro sobre teoria dos quadrinhos e nada e tudo a ver na vida dos dois.
"Provavelmente, hoje, Gervásio estaria tomando uma no Raimundo dos Queijos pela tornozeleira de Bolsonaro"
Particularmente, não tive intimidade com o jornalista. Tinha seu retrato pelas repórteres filhas, pelas crônicas dele no Diário do Nordeste e pelas bocas de Ronaldo Salgado, Agostinho Gósson e Gilmar de Carvalho, na UFC.
Também por discussões públicas travadas entre Gervásio de Paula e Luís Sérgio Santos e Gervásio e Lira Neto. Os dois estavam no velório.
Provavelmente, hoje, Gervásio estaria tomando uma no Raimundo dos Queijos pela tornozeleira de Bolsonaro posta, ironiocamente, pelo Trump e Eduardo Bolsonaro.
"Gervásio era representante do famoso jornal "O Pasquim", em que atuavam os melhores jornalistas do país"
Por fim, recebi de um leitor dileto a provocação que segue. E publico em homenagem a mais um jornalista que se foi e escreveu sobre a história dos cotidianos. Marcadamente contra a ditadura cívico-militar (1964-1985), no Pasquim e no Mutirão.
Demitri, boa noite!
Estava pensando se o jornal O POVO poderia prestar uma homenagem ao jornalista Gervásio de Paula com artigos, por exemplo, de João Alfredo, Demitri, Plínio e Saraiva Júnior, dentre outros. O que você acha? Obrigado pela atenção.
Meu amigo Gervásio de Paula (1934-2025)
Minha amizade com o jornalista Gervásio de Paula aconteceu por entre comícios, praças e mesas de bar, nos anos setenta. Ele era conhecido como um experiente profissional do texto, ligado ao clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB), de orientação stalinista.
"Costumávamos nos encontrar no Flórida Bar, onde fazíamos a contabilidade movidos a cerveja e bifes acebolados"
Eu era estudante universitário empenhado na reestruturação dos diretórios centrais de estudantes e conhecido como leitor de Trótski. Naquela época, stalinistas e trotskistas deveriam se odiar. Gervásio e eu superávamos essa diferença nos primeiros dedos de prosa e goles de cerveja.
Gervásio era representante do famoso jornal "O Pasquim", em que atuavam os melhores jornalistas do país, inclusive ele, com suas crônicas. Eu era representante do jornal "Em Tempo", um pequeno veículo alternativo de esquerda do qual me orgulhava em colaborar. Distribuíamos os jornais pelas bancas e pelos ambientes universitários.
Costumávamos nos encontrar no Flórida Bar, onde fazíamos a contabilidade movidos a cerveja e bifes acebolados. Muitas vezes, estávamos lisos e pedíamos ao garçom para pagar as despesas em outro dia.
"Penso que Gervásio e Belchior viviam a máxima marxista "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades""
Foi Gervásio quem me apresentou a pessoas importantes do meio cultural e político que eu admirava bastante, como o advogado Américo Barreira e seu irmão, o jornalista Luciano Barreira. O jornalista e escritor Blanchard Girão, a socióloga e professora universitária Maria Luiza, futura deputada estadual e prefeita de Fortaleza e os compositores e cantores Ednardo e Belchior.
Penso que Gervásio e Belchior viviam a máxima marxista "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades". Eles nunca se preocuparam com o vil metal em pleno capitalismo.
Aprendi muito com o cidadão Gervásio de Paula. A simplicidade e a solidariedade faziam pleno o seu caminho de vida, que também contava com momentos irascíveis. Era humilde, sabia recuar e pedir desculpas quando se percebia equivocado. Com o passar do tempo, começou a ler Jacob Gorender e eu, Ernest Mandel.
"Formei-me em direito e fui advogar nos sindicatos dos trabalhadores rurais, enquanto Gervásio trabalhava como editor do jornal O Mutirão"
Formei-me em direito e fui advogar nos sindicatos dos trabalhadores rurais, enquanto Gervásio trabalhava como editor do jornal O Mutirão. Independentemente de nossas diferenças ideológicas, o socialismo era nosso horizonte e nossa amizade é eterna.
Política, cotidiano, questões sociais e boemia. Estes e mais temas narrados em crônicas. Acesse minha página
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