Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Em 2015, quando pouco se falava em facções expulsando moradores na periferia de Fortaleza, fiz uma matéria sobre o terror tocado por Rogério Bocão ou Rogério de Oliveira Cury, no bairro de São João do Taupe e entorno.
Para ser mais preciso, Rogério - que está preso desde 2015 em um presídio de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná - era o mandachuva, o sol, lua e a morte na comunidade Cidade de Deus. Na presença insuficiente do poder público, ele comandava os cotidianos ali com o aval ameaçador do Comando Vermelho.
A Cidade de Deus é uma favela inchada e feita nas gambiarras da sobrevivência. Uma ocupação precária que foi se fazendo entre o canal do Lagamar, que vomita lama e lixo no rio Cocó, e as casas boas e mais ou menos da classe média do São João do Tauape.
"O rapaz assassinado era dono de um mercadinho e de uma venda de água mineral na Cidade de Deus"
Bocão era também a "lei" no território, o acusador e o sentenciador. Para se ter uma ideia, porque um vizinho reclamou do barulho sem tréguas de uma caixa de som dos faccionados, Bocão decretou a pena de morte do comerciante.
O rapaz assassinado era dono de um mercadinho e de uma venda de água mineral na Cidade de Deus, também trabalhava de motorista. A retirada brutal da vida do moço foi depois de uma emboscada tramada por Bocão e outros criminosos, numa rua, no próprio Tauape.
"Ele continua preso, mas o filho dele, agora com 27 anos", é o lugar-tenente do faccionado"
Dez anos depois, recebo mensagens pelo Whatsapp. "Preciso falar com você". Do outro lado, o coronel Bellini, da Polícia Militar e comandante do 8º Batalhão. "Lembra daquela reportagem há dez anos, sobre o Rogério Bocão?" Sim. "Ele continua preso, mas o filho dele, agora com 27 anos", é o lugar-tenente do faccionado.
E enquanto o militar falava sobre as ousadias do filho de Bocão, que teria assumido o "território" do pai, fiquei pensando sobre o avassalador crescimento das facções, dez anos depois. Meio sem jeito e beco sem saída.
Sim, as forças de segurança do Ceará, do país, correm atrás do próprio rabo feito um cachorro que não consegue debelar uma infestação infinita de pulgas. Trabalham, claro. Há investimento em armas, tecnologia, inteligência e contratações de policiais, mas é sem fim e frustrante para os que não moram nas zonas privilegiadas da Cidade.
"Ele é Rogério dos Santos Cury, segundo o coronel Bellini e o site da SSPDS"
O que mudou, de fato, na Cidade de Deus nesses dez anos? O que Estado e a Prefeitura fizeram para desestimular a perpetuação do crime faccionado ali? Se fizeram, por que Rogério Bocão, mesmo dentro de um presídio de segurança máxima, conseguiu "formar" um filho como sucessor no crime?
Ele é Rogério dos Santos Cury, segundo o coronel Bellini e o site da SSPDS - que o tem como "procurado". Responde por homicídios e outros "serviços", além de ter mandado de prisão segundo o oficial da PM. Na época em que o pai foi preso pelo assassinato do comerciante da Cidade de Deus, Santos tinha 17 anos.
"Que todos os moradores tenham ciências, aquele que nós soubermos que tem simpatia com alemão (policial), nós iremos cobrar a altura"
Na semana passada, um "salve" circulou na ainda desprotegida Cidade de Deus. Avisava, "com imensa satisfação, depois de muita luta", que o CV tinha retomado o "controle da Cidade de Deus de novo". A GDE tinha sido enxotada. E que "os moradores que foram expulsos podem voltar para suas moradias".
E na linha seguinte ameaçam. "Que todos os moradores tenham ciências, aquele que nós soubermos que tem simpatia com alemão (policial), nós iremos cobrar a altura".
"Não queria ser morador da Cidade de Deus onde a facção é o medo, a "política", o silêncio, a "lei" e a presença paliativa do poder público"
"Nós não estamos aqui para oprimir moradores e sim respeitar e proteger, mas não vamos aceitar nenhum tipo de vínculo com o alemão (policial) dentro da nossa comunidade. Desde já, agradecemos os moradores que respeitam nossa luta. Atualizar o mapa, que a Cidade de Deus é Comando Vermelho".
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