Logo O POVO+
De Assucena a Moon Kenzo, chegando a Filipe Catto: a música queer no Brasil
Foto de Marcos Sampaio
clique para exibir bio do colunista

Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

De Assucena a Moon Kenzo, chegando a Filipe Catto: a música queer no Brasil

Mona Gadelha assina coluna Discografia nas férias do titular Marcos Sampaio e destaca, neste domingo, as vozes transgressores da música queer brasileira
Tipo Análise
Assucena lança álbum
Foto: Natalia Mitie / divulgação Assucena lança álbum "Lusco Fusco"

Olha eu aí assinando a página Discografia! Esse espaço tão importante para a música (e cada vez mais raro) que Marcos Sampaio construiu aqui abre as portas para minhas reflexões, observações e relatos. Eu, que andei lançando livro recentemente (“O Perfume Azul - Rock e Transgressão em Fortaleza nos anos 70”, edições FWA) e escrevendo algumas letras de música (espero poder me deter mais sobre isso em breve!) mergulho no mar sempre envolvente das palavras por três domingos. E começo por momentos que presenciei, vivi recentemente.

Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Existe uma música queer no Brasil? Sim, a música está além dos rótulos. Mas o fato é que a segunda década do século (e continuando na terceira) viu reluzir canções cuja densidade visceral pertence a artistas como Assucena, Filipe Catto, Verónica Valenttino, Mulher Barbada e Moon Kenzo — para citar apenas as que vi e ouvi nos últimos 15 dias, como propus acima. São vozes queer, transgressoras em sua poética doída, aguda, verdadeira. E só por ser de verdade já seria hoje uma transgressão.

É assim com o álbum de Assucena, "Lusco Fusco", o primeiro solo após uma bem sucedida trajetória com o grupo As Baías — é de autoria dela um dos maiores hits da banda, "Uma Canção pra Você (Jaqueta Amarela)". Em 10 dias de lançamento, o álbum alcançou 200 mil plays no Spotify, mostrando a grande expectativa em torno desse trabalho. Antes, Assucena andou pelo Brasil com shows cantando Gal (no show "Rio e também posso chorar") e suas composições (em Fortaleza, em 10 de julho de 2022, no Cineteatro São Luiz, acompanhada por Rafael Acerbi). “Lusco Fusco” traz dez canções autorais (uma parceria, Ad Aeternum, com Paulo Netto), produzidas por Pupilo e Acerbi, com direção artística da própria cantora e com Céu nas músicas "Menino Pele Cor de Jambo", "Nu", "A última quem sabe" e "Manhoso demais".

É um conjunto de canções que se desdobram nos processos de transição, como ela diz: "No amor, na vida, no que se refere às identidades de gênero, às descobertas do mundo, aos ciclos". Ela desejou e fez em seu álbum de estreia "uma reflexão sobre o Brasil contemporâneo e sobre o meu corpo como território político nessa mátria que tem a brasa como radical de seu nome". E continua: "Tem como princípio discutir as TRANSições, as TRANSformações, as TRANSmutacões: a brasa tanto como o momento da ascensão quanto de extinção do fogo". O trabalho nasceu de suas necessidades de "comunicar existências, afetos, desilusões e demandas de pessoas trans e travestis".

A cantora sobralense Moon Kenzo(Foto: Yuri Juatama / divulgação)
Foto: Yuri Juatama / divulgação A cantora sobralense Moon Kenzo

Também com afetos e desilusões, a cearense de Sobral Moon Kenzo arrebatou a plateia do Anfiteatro Dragão do Mar com sua música (três disponíveis nas plataformas — “Amarga”, “Capital” e “Fumaça”, as duas últimas em parceria com Jandê) na sexta, 6. Com paixão e discurso contundente contra as mazelas de um país que mais mata pessoas trans, Moon, ao lado de Gegê Teófilo (guitarra e programação) e Susannah Quetzal (teclado e programação), deixou para o final do show justamente a canção com essa dolorosa temática, "Memento Mori" ("fiz porque tinha medo de morrer", disse antes de cantar). Ela esteve no Laboratório de Música da Escola Porto Iracema com tutoria de BadSista em 2020. Depois de lançar "Cio", formado pelos 3 singles, em breve chega com um álbum nas plataformas.

Na Casa Natura Musical, em São Paulo, no último dia 28 de setembro, pude ver o show arrebatador de Filipe Catto em seu tributo "Belezas são coisas acesas por dentro: Catto canta Gal", com álbum também disponível nas plataformas. Interessante como os versos imortalizados pela voz divina maravilhosa são títulos de homenagens. No caso de Catto, o verso de Jorge Mautner em "Lágrimas Negras". Acompanhada pelo trio Michelle Abu (bateria), Fábio Pinczowski (guitarra) e Gabriel Bubu Mayall (baixo), Catto trouxe uma atmosfera rock and roll na homenagem, e claro, de transgressão.

LEIA TAMBÉM | "Meu Nome é Gal" acompanha despertar artístico e pessoal da cantora

Sim, Gal está em toda parte. Em cada palmeira da estrada, no céu de uma cidade do interior, no Cinema Olympia, no motor ao relento, dobrando a esquina, na camisa, da maior importância, no signo nenhum… É Gal na voz de Assucena, de Adriana Calcanhotto, de Filipe Catto, de Soledad. É Gal na grande tela na pele de Sophie Charlotte no filme de Dandara Ferreira e Lô Politi, "Meu Nome é Gal", que estreou em 12 de outubro. Uma voz transgressora que dizia: "Meu negócio é música".

Só as mulheres

Tudo começou com o projeto "Elas por Elas", um movimento solidário, produzido por Camila Santino e a cantora e compositora Jord Guedes, para exibição de trabalhos musicais de mulheres artistas e arrecadação de recursos na pandemia, em plena crise de 2021.

Foram quatro edições virtuais naquele ano, quatro apresentações ao vivo disponibilizadas no Instagram (no perfil @mulheresdamusica) e no Youtube (com apoio do Festival ForRainbow), além de um especial para a TV Assembleia e TV Diário (com o apoio da Casa de Vovó Dedé), também no Youtube. Tudo isso reuniu mais de 40 trabalhadoras da cultura. Houve ainda uma edição especial do "Julho das Pretas", com rodas de conversa em quatro eixos na cadeia produtiva musical feminina do Ceará e um sarau no final do evento. A maioria da equipe é composta por mulheres cis e trans.

Eis que surge o Festival de Mulheres da Música (FEMMUCE) — que recebe a primeira edição no próximo sábado, 21, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), de 18 às 23 horas, com entrada gratuita. Ele pretende proporcionar "visibilidade aos trabalhos de cantoras, compositoras, instrumentistas, produtoras e técnicas, ampliando o mercado de trabalho no campo da música e contribuindo na transformação da realidade atual, no que se refere às políticas afirmativas e a inclusão das mulheres". A curadoria teve como base de critério equidade e diversidade de gênero e orientação sexual, classe social, faixas etárias múltiplas e estilos musicais plurais, reunindo cerca de 50 mulheres. A proposta é dizer não ao "silenciamento ou exclusão" e sim "para protagonismo e empoderamento das mulheres na música e em toda a cadeia produtiva".

Nesta edição, o FEMMUCE terá o Projeto Mulheres no Blues - Marília Lima, Nayra Costa, Jae Lia, Claudine Albuquerque, Shirley Cordeiro, com Deborah Marc (guitarra), Mirela Alencar (baixo), Dani Azevedo (bateria); o Projeto Elas por Elas - Luana Florentino, Jord Guedes, Simone Sousa, Lorena Lise, Mona Gadelha e Adna Oliveira, com Brena Freire e Joyce Farias (Guitarra), Dandara Bajo (Baixo), Naira Lopes (bateria); o show "MAS" com Moon Kenzo, Angel History e Stefany Mendes, e o Coletivo Vila Roots (Djs residentes Vladia Soares e Maresia).

Foto do Marcos Sampaio

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?