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Fausto Nilo 80 anos: Um som no meu caminho
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

Fausto Nilo 80 anos: Um som no meu caminho

Desde o primeiro LP até os livros, pesquisas, palcos... Havia sempre uma música de Fausto Nilo ao redor
Tipo Crônica
Fausto Nilo posa no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, uma de suas criações (Foto: Luiz Alves/Divulgação)
Foto: Luiz Alves/Divulgação Fausto Nilo posa no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, uma de suas criações

Sou daqueles que nasceu numa casa cheia de música. Paixão compartilhada por todos da família, pai, mãe, avó, primos, tios, tias, cada um gostava de algum artista e, de diferentes formas, ia me apresentando um universo sonoro. Não saberia dizer de quem foi a primeira voz, a primeira música nem muito menos qual o primeiro ídolo. Mas é indiscutível o primeiro disco que aprendi a ouvir, virar para o lado B, ouvir de novo, voltar para o lado A, ouvir mais uma vez, voltar para o B e assim infinitas vezes...

O disco era “Bazar Brasileiro”, que Moraes Moreira lançou em 1980. É nele que está a lindíssima “Meninas do Brasil”, cuja letra imensa eu demorei a entender do que falava. Botar esse LP para tocar hoje me faz voltar até a rua Gustavo Sampaio, onde nasci e ouvia “Que papo é esse”, cantando do começo ao fim. Além deste, havia o disco que Moraes lançou em 1981, que eu ouvia menos, mas encerrava com “Bateu no Paladar”, de que eu viria a gostar 30 anos depois. Em comum, essas músicas são parcerias do baiano com Fausto Nilo, alguém que precisei de um tempo para saber de quem se tratava.

Curiosamente, nasci ouvindo uma história que é anterior a mim: quando meu irmão era pequeno, minha mãe o levava no fim da tarde para um espaço que ficava em frente à casa onde moravam. Lá alguns jovens ensaiavam as músicas que estavam compondo. Entre os jovens, nomes como Teti, Rodger, Ednardo... Fausto estaria por ali? Não sei, mas sei que a parceria de Fausto e Moraes deu os primeiros frutos em 1978, no disco “Alto Falante”, e tomou grandes proporções com “Chão da Praça”, do álbum “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”, lançado no ano seguinte, o mesmo em que eu nasci.

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Ao longo dos 1980, não era nenhum esforço ouvir músicas de Fausto. Ele viveu o auge de popularidade ali. Era Gal Costa cantando “Bloco do Prazer”, A Cor do Som tocando “Zanzibar”, Robertinho de Recife com “O elefante”, Lulu Santos com “Tudo com você”, Fagner com “Cartaz”, Simone com “Um desejo só não basta”, Geraldo Azevedo com “Dona da minha cabeça” e por aí vai. E vai longe! De diferentes formas, essas e outras chegaram a mim, e nem imaginava que todas tinham letra de Fausto Nilo. Assim como “Dorothy L’Amour”, gravada numa fita K7 que eu ouvia, voltava, ouvia de novo.

Se hoje a figura do compositor é apagada, você imagina numa época em que não havia um “ok google” para ajudar na pesquisa. Mais tempo ainda leva para dar importância a isso. Lembro de ser convidado por um amigo para comer uma pizza, mas antes iríamos passar no Theatro José de Alencar, porque um show estava sendo gravado para posterior lançamento em CD. Ficamos na última fila. O show era de Fausto Nilo.

Resolvendo a questão do começo do texto, acho que meu primeiro grande ídolo da música foi mesmo Moraes Moreira. Tive chance de dizer a ele da minha admiração e certa vez fui vê-lo num show na praça Murilo Borges, onde funcionava o CCBNB – hoje a Justiça Federal. O show, mais que um apanhado de sucessos, era uma conversa dele com um de seus parceiros: Fausto Nilo. Nessa época, minha vida se resumia a frequentar o Centro Dragão do Mar, onde assisti a dezenas de shows, peças de teatros, filmes e o que mais rolasse. Ia para lá todo fim de semana – sem falta – sem saber da programação, certo de que algo bom teria no anfiteatro, na praça ou em qualquer outro canto. Lamentável saber que a situação do Dragão hoje é tão contrária a essa lembrança, mas essa foi mais uma vez em que uma obra de Fausto cruzou com a minha vida.

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Mas, olha, só posso dizer que fui saber mesmo quem é Fausto Nilo quando me tornei jornalista. Nossa primeira conversa foi por conta dos seus 70 anos. No seu escritório, falamos sobre a origem de muitas canções que fizeram a trilha sonora da minha vida – incluindo “Amor nas estrelas”, sua única parceria com Roberto de Carvalho que, por um lapso do destino, não foi gravada por Rita Lee, a estrela maior do meu céu. Anos depois, fui convidado pela Fundação Demócrito Rocha para participar da Coleção Terra Bárbara, que se dedica a perfilar vultos históricos do Ceará. Não foi escolha minha, juro! A mim foi oferecido escrever o perfil de Fausto Nilo.

Chega de conversa. Já sei quem é Fausto Nilo e um dia a maestrina Izaíra Silvino me convidou para dirigir um show coletivo em homenagem a ele. Escrevi o roteiro pensando em reunir o máximo possível de parceiros, essa entidade que ele tanto evoca quando fala da própria obra. De Lennon e McCartney (de quem ele fez uma versão de “Here, there and everywhere”, gravada por Gal Costa, e que Aparecida Silvino refez tão docemente ao piano) a Belchior, teve de tudo. Fiquei realizado quando Davi Silvino, outro dos cantores, se surpreendeu: “Essa também é dele!?”. Pronto, essa era a ideia.

Anos depois levei essa história minha com Fausto Nilo para um trabalho acadêmico de Pós-Graduação em Semiótica, estudando a relação das suas músicas com a cidade. As cidades cantadas por ele são muitas e ao mesmo tempo nenhuma. Cidadão do mundo, tratá-lo por “artista cearense” chega a ser limitante, uma vez que sua obra foi abraçada pelo Brasil inteiro. Mas dá muito orgulho se saber conterrâneo desse cara. Mas preciso, acima de tudo, agradecer a Moraes Moreira. Não fosse seu “Bazar Brasileiro” não sei por onde teria começado esse texto e essa história.

Playlist pessoal

Frenesi - Clássico de Fagner também cantado por Teti no álbum "Melhor que mato verde", de Petrúcio Maia parceiro de Fausto (e Ferreirinha) nesta canção.

Amor nas estrelas - Única parceria com Roberto de Carvalho ganhou a mais delicada voz de Nara Leão.

Vida Boa - Com Armandinho Macedo nasceu mais essa trilha carnavalesca. "Olê olá que é pra canoa não virar"

Um desejo só não basta - com Francisco Casaverde, essa balada parece que foi feita sob medida para a voz potente de Simone.

Tudo blue - Com o parceiro Pepeu Gomes, nasceu essa canção que ganhou as vozes doces de Baby do Brasil e Paula Tesser.

Equatorial - Parceria com Calé Alencar que deu nome ao primeiro disco solo de Teti. O Ceará em seu melhor momento.

Postal do amor - Ney Matogrosso e Fagner num dos mais belos duetos da MPB. Parceria com Fagner e Ricardo Bezerra.

Pirlimpimpim - Trilha do histórico especial infantil da rede Globo. Mais uma com Moraes.

Pedaço de canção - Blues em parceria com Moraes, também cantando por Amelinha.

Nada como viver - Parceria Belchior registrada no disco "Objeto direto". Pra ouvir de olhos fechados.

Foto do Marcos Sampaio

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