Marcos Lessa se aproxima do Ceará em disco que celebra obra de Bá Freyre
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: NICOLAS GONDIM
Marcos Lessa celebra obra de Bá Freyre em novo disco
Depois de ganhar certa projeção no programa The Voice, Marcos Lessa conquistou alguns feitos musicais importantes. A começar por um disco produzido por Raimundo Fagner, de olho no mercado nacional. Depois veio um tributo a Gonzaguinha apadrinhado pela família do compositor e seguiu com um disco com ares bossanovistas, regado no mar do Rio de Janeiro, com produção de Roberto Menescal. Entre um e outro, muitos tributos a Roberto Carlos, Frank Sinatra, Emílio Santiago, Elis Regina e tantos outros. E o Ceará foi ficando distante dessa trajetória.
"Tudo pela música" acaba sendo o disco que mais aproxima Marcos Lessa da terra onde nasceu há 34 anos. O álbum, que chegou há poucas semanas nas plataformas digitais, é uma homenagem a Bá Freyre, compositor paraibano que viveu por muitos anos no Ceará, antes de se radicar em Israel, onde morreu em 12 de janeiro de 2021. Quem apresentou o compositor ao intérprete foi Zuellington Freire, irmão de Bá e letrista de boa parte de suas canções. Trabalhando num restaurante à beira mar, onde Marcos mantém uma agenda de shows de samba, ele costumava repetir: "Você precisa ouvir as músicas do meu irmão". De tanto ouvir isso de tantas pessoas, Marcos não deu muita importância.
"Mas esse cara falou isso por dois anos. Aí, um dia que eu cheguei em casa, tinha tomado umas lá no restaurante, e disse: 'Mano, deixa eu ouvir aqui essa música que esse cara está mandando, porque ele não vai me deixar em paz. Ouvi", lembra Lessa que logo se surpreendeu. Ele começou pela música que dá nome ao disco, um sambarock de ritmo quebrado, letra autobiográfica falando de partir de casa para fazer música e refrão para cantar fechando os olhos. "Meu Deus! Eu fui ouvir outra, aí cada uma que eu ouvia era uma obra equiparada aos caras que eu mais gosto. João Bosco, Caetano, Chico, Evaldo... Aí eu comecei a ouvir os boleros do cara, fui ficando louco. Eu liguei eufórico pro Zuellington: 'Amigo, eu quero gravar isso amanhã'", relembra.
Não é difícil entender o que atraiu Marcos Lessa para a obra de Bá Freyre. Compositor maiúsculo, ele bebeu nas melhores fontes e sua música, extremamente autoral e original, remete ao que de melhor a MPB produziu. Por exemplo, não é difícil imaginar Alcione cantando o bolero "Prisioneiro do amor". "Foi o álbum mais difícil que eu já gravei. As músicas do Bá são muito difíceis, exploram muito a voz, sabe? Elas trabalham com intervalos não óbvios", detalha ele que recebe a piauiense Amanda Santi para um dueto no bolero "Talvez", com arranjo sofisticado que lembra "Bolero de Satã", gravado por Elis e Cauby Peixoto.
"Tudo pela música" foi gravado em Fortaleza, no estúdio Trilha Sonora. A direção e a produção musical são de Cainã Cavalcante, que ainda toca violão e guitarra, e divide os arranjos com Thiago Almeida. No time de músicos, mais alguns dos melhores da cena local: Hoto Junior (percussão), Netinho de Sá (baixo) e Nonato Lima (sanfona), entre outros. Apenas os sopros, que contam com Jessé Sadoc no trumpete e flugelhorn, foram gravados no Rio de Janeiro. "Em duas tardes eu coloquei as vozes todas. A gente ficou bem imerso lá. E o Cainã foi um excelente diretor. Você tem que ter muito jeito para dirigir um cantor, né? Por que mexe numa coisa muito íntima. E ele foi muito jeitoso nesse sentido", lembra Marcos.
Enquanto espera captar a verba aprovada na Lei Rouanet para montar e levar o show do "Tudo pela Música" ao Brasil, Marcos Lessa já se envolve com um novo disco, em que canta canções próprias e de amigos de geração, como Edinho Vilas Boas. Aliás, foi participando do show deste que Marcos percebeu a necessidade de chegar mais perto do Ceará e cantar a si e seus conterrâneos. "Iam ser todas minhas, mas eu vou abrir mão de metade. Vou prestigiar pessoas daqui que eu não dei tanto prestígio. Eu quero gravar uma do Luciano Franco, uma do Eason Nascimento, que tem coisas lindas, uma do Dalwton Moura. Então, vou continuar pegando esse caminho de volta para casa", adianta.
"Tudo pela música" Faixa a Faixa
1. Acender (Bá e Zuellington Freire): samba apoteótico que lembra as "Aquarelas" de Emílio Santiago. A letra otimista fala de amor e sonho, ressaltada no arranjo solar de Cainã Cavalcante. Marcos canta acreditando em cada sílaba.
2. Tudo pela música (Bá Freyre): arranjo craque de Thiago Almeida que encaixa a letra extensa num ritmo quebrado, com passagens introspectivas, versos sincopados, até explodir num refrão emocionado. Marcos Lessa dribla tudo com confiança.
3. Pra cada gosto seu (Bá e Zuellington): balada de amor rasgado, costurada pelo acordeom discreto e elegante de Nonato Lima. Faria sucesso como trilha de um romance da "novela das 6", qualquer que seja ela.
4. Prisioneiro desse amor (Bá e Zuellington): mais uma balada romântica, da mesma linha da anterior. Perece genérica, mas a passagem que pede perdão para chegar ao refrão é capaz de emocionar até os monólitos de Quixadá.
5. Partiu (Bá e Zuellington): samba ritmado que fala da esperança de reatar um amor que se perdeu em algum momento. Marcos dá a medida certa da interpretação e encerra a faixa em dueto com o trombone de Rafael Rocha.
6. Braços e mente (Bá e Oswald Barroso): bolero refinado, lembra a Elis Regina dos anos 1980. A letra dramática remete ao mundo poético e mundano de Aldir Blanc. Marcos Lessa tem intimidade com as referências e dá um banho de interpretação.
7. Talvez (Bá e Zuellington): dueto com Amanda Santi, cuja voz parece inocente, mas corta feito espada samurai. Dona de graves elegantes e agudos seguros, ela se mostra mais uma boa surpresa do disco. O arranjo de Cainã dá um ar de clássico da MPB.
8. Off side (Bá e Zuellington): sambajazz que lembra as parcerias de Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro. A letra é cheia de imagens divertidas, que Marcos vai sorrindo enquanto canta. O naipe de sopros mantém o clima lá em cima.
9. Pitomba (Bá e Pedro Costa Jr): seguindo no ritmo da anterior, esse é mais um arranjo de Thiago Almeida que vai alternando climas e ritmos, sublinhando cada passagem da letra. Coisa fina.
10. Toma lá da cá (Bá e Jorge Lima): para encerrar, uma faixa falando de natureza, de paz, harmonia e cuidados com o que é de todos. Tem espaço para solo de trompete (Jessé Sadoc), piano (Thiago Almeida), sax (Danilo Sinna), num clima meio caribenho.
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