Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Hugo Sá/ Divulgação
Pernambucano Ortinho lança novo disco, 'Repensista'
Reconhecido como um dos mais importantes discos do rock psicodélico brasileiro, o álbum de estreia da banda Ave Sangria chegou às mãos de Wharton Gonçalves Coelho quando ele tinha cerca de 12 anos. As guitarras incendiárias de Ivinho e Paulo Rafael, as letras loucas de Marco Polo, o ser indefinido na capa, tudo isso abriu um portal mágico na cabeça do futuro compositor.
"Aquilo fez minha cabeça para caramba. E, naquele momento, eu disse: 'porra! Eu quero fazer isso aqui", lembra Ortinho que ainda ouviu muito Marconi Notaro, Lula Côrtes, Cátia de França e outros. Ele também cita Fagner, Amelinha, Belchior e Ednardo entre os que incluía no repertório da época dos barzinhos. Sobre este último, confessa que até imitava o jeito de vestir. Essa influência toda foi resgatada no show "Nordeste Psicodélico", de 2016, e que é a principal influência de "Repensista", seu sexto disco solo - sétimo se incluir a banda Querosene Jacaré.
O show que deságua em "Repensista" era um tributo, enquanto o álbum é autoral com oito músicas do pernambucano de Caruaru. A única não autoral é "Quando eu olho para o mar", de Alceu Valença gravada no disco "Cinco Sentidos" (1981). "É uma música que marcou muito minha vida por que foi uma das que eu mais toquei nos barzinhos", reafirma Ortinho que homenageia outra conterrânea, Lia de Itamaracá, com "Eu e Lia". Ele conheceu a Rainha da Ciranda na infância, durante o São João, quando um carro da cachaça Pitu animava a rua tocando diversas cirandas.
Outra homenagem de "Repensista" é "De repente Cássia Eller". Ortinho conheceu a cantora há muitos anos, durante um festival em Garanhuns. Se gostaram de cara, trocaram ideias e ele prometeu compor uma música para ela. A composição ficou pronta na mesma época em que Cássia faleceu e ele preferiu guardá-la. Por sugestão de Arnaldo Antunes, seu parceiro em "A casa é sua", ele resolveu tirá-la da gaveta.
"De Repente Cássia Eller" é uma boa representante do psicodelismo de Ortinho. Com voz grave, ele fala de um abandono devastador ao ponto de fazê-lo "botar um sapo no ouvido para comer seus grilos". A base é um baião com bateria desconstruída, riff de guitarra, ritmo de rap e sei lá mais o que. "Repensista dos encantados" parte dos mesmos elementos, mas se aproxima de Alceu Valença, tanto na pisada do forró quanto na letra filosófica existencial. Já "Alice, Amor e paixão" é puro Zé Ramalho, desde o canto quase falado ao universo poético expandido e dramático.
"Repensista" tem ainda o rock autoreferencial "Há quem diga", a balada bolero brega "Grito de uma arara" e a regravação de "Solto no tempo", gravada por Ortinho no álbum "Somos" (2006). A nova versão, mais melancólica sobre o teclado de Sandoval Filho, lembra o estilo de Zeca Baleiro - outro que bebeu muito nessa fonte psicodélica. E tem "Senhora do amor", que começa numa viagem espacial, cai no baião e azeita nas guitarras pesadas de Rovilson Pascoal, produtor do disco. Agora Ortinho se prepara para levar "Repensista" para a estrada. "E quero muito ir para Fortaleza, né? Inclusive, no show, eu toco música do pessoal de Fortaleza", adianta.
Tudo começou com um show no aniversário de Julia Valiengo. Ela na voz e Junior Boca ao violão, o suficiente para quererem mais. Chamaram mais amigos e assim nasceu a primeira formação da Valentin, já com a intenção de lançar dois singles e um álbum em 2020. A pandemia adiou o disco por cinco anos, quando a banda já havia se reconstruído. Hoje ela é formada por três cearenses (Boca nas guitarras, Klaus Sena no baixo e Xavier na bateria), uma paulistana (Julia na voz) e uma sul-mato-grossense (Nina Camillo nos teclados).
Não bastasse a conexão de naturalidades, a Valentin mistura referências sonoras, todas apontando para o rock. "Quando comecei a tocar guitarra, fui muito influenciado pelo rock. Nação Zumbi e Ira! são exemplos dessa influência. Rock nordestino e paulista", detalha Junior Boca acrescentando que essa união já está em sua mente há tempos. "Acredito que o resultado sonoro do nosso grupo carrega toda essa informação musical rockeira e diversa, pelo fato de sermos cearenses, paulistas, sul mato-grossenses criando juntos e com referências musicais variadas".
De fato, decupando o som da Valentin, disponível em plataformas de streaming, é possível ouvir guitarras distorcidas, vozes etéreas, bateria orgânica, programações, baixos profundos, psicodelia, tensões, ruídos, ecos, interpretações teatrais, sons fantasmagóricos, detalhes de sopros... O resultado é algo às vezes divertido e bem-humorado ("Amarração"), às vezes tétrico e debochado ("I love you"). Julia Valiengo parece mudar de persona a cada canção, soando ora acessível e quase pop ("12 da Manhã" e "Leve do sol"), ora desesperançada ("O salto").
E Julia é responsável por sete das nove composições - a última faixa une "Lucidez" (Vitoriano) e "Balada do fim" (Julia/ Boca). Nas demais, além de parcerias dela com Lenis Rino e Marcelle Fonseca, uma inédita de Gui Amabis ("A mulher que estava aqui"). "No início, ela já tinha um material para começarmos a trabalhar e partimos daí para montar os singles e o álbum. Todos na banda compõem e isso traz uma diversidade autoral, que é uma das características do som da Valentin", destaca Junior Boca.
De fato, ajuda ter à mão um time de músicos experientes. Boca saiu de Fortaleza para São Paulo há 22 anos e hoje trabalha com Vanessa da Mata, Otto e Tatá Aeroplano. Julia tem 18 anos de Trupe Chá de Boldo, com quem já lançou seis discos. Natural de Russas, Klaus Sena atua na música em diversas frentes: multi-instrumentista, produtor, engenheiro de mixagem, compositor. Xavier, além de produtor, professor e compositor, acompanha gente como Di Melo, Daniel Peixoto, Fernando Catatau. Já Nina Camillo (tão recente na banda que nem entrou na foto de divulgação) é cantora, compositora e produtora musical, tem um EP lançado e alguns prêmios.
E é com esse time que a Valentin já prepara um novo disco para 2026. "Nosso som é resultado de um processo de composição realizado de forma muito espontânea, sem a interferência de outras variáveis secundárias que poderiam atrapalhar o resultado do trabalho. Acredito que gradativamente a gente vai se estabelecendo na cena e conquistando mais espaços para levar nossa música", projeta.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.