Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Imagine a mesa de jantar após o resultado eleitoral de Fortaleza. Em uma, Capitão Wagner (Pros), senador Luis Eduardo Girão (Podemos), o empresário Geraldo Luciano. Na outra, Ciro Gomes (PDT), Camilo Santana (PT), Roberto Cláudio (PDT), Cid Gomes (PDT) e José Sarto (PDT). Parece-me que a mesa da campanha vitoriosa tem muito mais reflexões a fazer, questões sobre as quais se debruçar, que a dos derrotados.
Uma vitória é uma vitória e é melhor que uma derrota. Vencer três vezes seguidas numa eleição como Fortaleza é um feito e tanto. Porém, por que a vitória não foi tranquila como se esperava? Onde foram parar as intenções de voto de Sarto apontadas por Datafolha e Ibope? São questões que não têm como ser evitadas na mesa anfitrionada pelos Ferreira Gomes.
Método, arrogância e fadiga
Os Ferreira Gomes são profissionais da política como talvez o Ceará nunca tenha visto. Desenvolveram um formato enlatado de fazer campanhas e vencer eleições. Não há criatividade quase nenhuma. É mais uma repetição de fórmula que, para o observador atento e de boa memória, soa repetitiva. Os jingles seguem o mesmo ritmo. Se não prestar atenção, a pessoa pensa que é a mesma música, repetida incessantemente. São campanhas quadradas, sem originalidade e que enfileiram vitórias eleitorais. Têm uma lógica didática de construção para falar com o eleitor. Eles não parecem acreditar em novidade e não mexem no time que já ganhou tanto. Tem dado certo até hoje. A questão é: como esses políticos profissionais tomaram um susto como o de domingo?
Uma questão foi perceptível: o ritmo do 1º turno não foi mantido. A candidatura começou lá atrás nas pesquisas, subiu bastante e terminou o 1º turno na frente. Ali estava claro que seria muito difícil para Wagner. A impressão é que os governistas passaram, então, a jogar como time que está na frente e começa a tocar a bola para fazer o tempo passar. Foram empurrando o 2º turno com a barriga, levando na banguela. O perigo é perder a bola na defesa e levar um gol no contra-ataque.
A campanha de Sarto conseguiu resultados melhores enquanto o candidato estava com Covid-19 e chegou a se internar do que no final do 2º turno. E é incrível, porque entrou governador, houve adesão de quase todos os partidos disponíveis. E quase perdem a eleição. Essa me parece uma lição: não se ganha campanha na banguela. Ganha-se buscando voto até o fim.
Isso remete a outra lição: a campanha agiu com certa autossuficiência. É uma crítica recorrente a grupos muito poderosos em geral, e aos Ferreira Gomes em particular: arrogância. Sentimento de "já ganhou". Que bastava administrar o resultado já conquistado. Esse é o tipo de erro que costuma ter ônus ainda maior. Erro primário para grupo tão experiente.
O outro erro não é conjuntural, mas estrutural: saturação, cansaço após muito tempo de poder. Não é algo evitável, mas pode ser administrável. É o problema mais urgente para o grupo.
A eleição foi muito pautada pela rejeição ao presidente Jair Bolsonaro. No fim, quanto pesou a rejeição ao grupo Ferreira Gomes? Algo que já foi visto em outros momentos em Fortaleza, como na eleição de 2014, que foi revertida a partir da eleição de Camilo Santana (PT). Mas, vê-se, não desapareceu.
O sentimento da eleição de Sarto me remeteu à memória da eleição de Lúcio Alcântara governador, em 2002. Parecia fácil e foi um sufoco — muito maior que o de agora, diga-se. Aquele governo sofreria um racha interno e marcaria o declínio do ciclo do PSDB, o chamado projeto mudancista, no Ceará.
Não foi a eleição que determinou que aquilo ocorresse. Parte foi a fadiga do projeto em si, grande parte foi a condução e a administração das ambições internas no grupo. Mas, a eleição foi o começo. A conferir se, daqui para a frente, o projeto Ferreira Gomes será capaz de se reinventar.
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