Henrique Araújo é jornalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Sociologia (UFC) e em Literatura Comparada (UFC). Cronista do O POVO, escreve às quartas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades, editor-adjunto de Política e repórter especial. Mantém uma coluna sobre bastidores da política publicada às segundas, quintas e sextas-feiras.
Na primeira tentativa de assassinato de um chefe de Estado norte-americano na era da imediaticidade do capitalismo de plataforma, os desdobramentos visuais dessa cena e sua leitura política como combustível de campanha são tão importantes quanto a investigação que se abre
O atentado contra Donald Trump produziu instantaneamente uma imagem icônica, que passou a estampar canecas e mesmo camisetas horas depois, numa consagração cuja velocidade está à altura dos mecanismos de circulação do fluxo de rede. Nela, o ex-presidente surge de punho erguido, orelha ensanguentada, um filete vermelho desenhado no rosto como uma pintura de guerra. É secundado por um corpo anônimo de seguranças que o protegem como a um mártir em vida. Trump não se fixa no momento, seu campo de visão está além: no futuro, na própria eleição? Seja como for, trata-se de uma figura tenazmente viril (o contrário da debilidade de Biden) e cognitivamente enraizada no presente (o gesto oportuno que se segue ao ataque é prova disso), recortada contra o céu azul, tendo ao fundo uma bandeira dos Estados Unidos tremulando como se o próprio candidato à reeleição a segurasse. Na primeira tentativa de assassinato de um chefe de Estado norte-americano na era da imediaticidade do capitalismo de plataforma, os desdobramentos visuais dessa cena e sua leitura política como combustível de campanha são tão importantes quanto a investigação que se abre. Com ecos da pintura de Delacroix e ressonâncias patrióticas que remetem à tomada de Iwo Jima, o registro é uma peça vital na engrenagem retórica do trumpismo rumo a um novo mandato em 2024 - e, como tal, deve ser explorado à exaustão, reproduzido como um "viral".
Trump e Bolsonaro
Por razões óbvias, estabeleceu-se à queima roupa uma comparação entre o 13 de julho nos EUA e o 6 de setembro no Brasil de 2018, quando Jair Bolsonaro se tornou alvo de uma facada. Há semelhanças, sem dúvida. Mas as diferenças talvez sejam maiores. Primeiro, então desafiante, Bolsonaro era a "novidade" - não é propriamente o caso de Trump. Segundo: brasileiros estavam a um mês das eleições, e não a quatro como os estadunidenses, ou seja, tempo suficiente para que o episódio eventualmente se dilua no noticiário. Terceiro: o golpe incapacitou Bolsonaro por semanas, retirando-o da corrida no primeiro e em parte do segundo turno - Trump, por sua vez, parece relativamente bem, a ponto de confirmar agenda nesta semana nas convenções do Partido Republicano. Quarto: havia ampla margem de crescimento para Bolsonaro entre eleitores no pós-facada - Trump, já favorito antes do atentado, não deve exceder o esperado num sistema tradicionalmente polarizado. Quinto: Bolsonaro e seus aliados fizeram prosperar a tese de que o criminoso (Adélio Bispo) era um títere da esquerda (fato descartado pelas investigações) - pelo que se sabe sobre o atirador da Pensilvânia, é mais difícil sustentar essa narrativa, o que não significa que Trump irá abrir mão de tentar esse caminho.
Reflexos no Brasil
Exatamente por isso, as possibilidades de que o episódio se reflita politicamente no Brasil são limitadas. A potencial eleição de Trump, sim, tem caudal para reconfigurar o jogo de forças global, sobretudo na esteira de derrotas do extremismo na Europa e com Bolsonaro acossado por um sem-número de inquéritos que podem levá-lo à prisão - eis aí outra dissimilaridade em relação ao colega dos "cabelos laranja", cuja situação jurídica hoje é aparentemente mais confortável.
Radicalizado ou moderado?
Uma dúvida ainda: que discurso Trump deve assumir de agora em diante, o de moderado e interessado numa pacificação nacional, ou seja, de líder capaz de unir os EUA no pós-atentado? Ou o de radical que dobra a aposta na conflagração entre americanos, precipitando a nação num caos? Um palpite: as duas coisas. É duvidoso que o republicano se abstenha de extrair todo tipo de ganho com sua tentativa de assassinato, como a foto-ícone não deixa mentir. O ex-presidente, todavia, pode delegar o trabalho sujo a seus aliados mais próximos.
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