Tem sido referida, recentemente, decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a invalidade das alíquotas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e os serviços de comunicação. Alíquotas são os percentuais usados para o cálculo do tributo devido, e no caso do ICMS a Constituição estabelece que elas podem ser seletivas, conforme a essencialidade daquilo que será tributado.
Os Estados interpretavam a Constituição como se houvesse uma mera permissão, que eles seguiriam se quisessem, para tributar de forma produtos e serviços conforme sua essencialidade, ou a partir de qualquer outro critério. Daí onerarem energia, e comunicações, com alíquotas elevadíssimas, que giram, a depender do Estado, próximo dos 30%.
Defendiam, ainda, que o conceito de essencialidade seria relativo: o que seria essencial para uns, seria supérfluo ou mesmo nocivo para outros. O leite, por exemplo, para algumas pessoas é um alimento essencial, enquanto para outras, que a ele são alérgicas, chega mesmo a ser nocivo. Por isso, caberia ao legislador livremente definir o que seria supérfluo, para ser mais pesadamente tributado.
Mas os Estados não têm razão. A Constituição permite aos Estados discriminar, ou selecionar, produtos e serviços, com alíquotas diferentes. É o que se entende por seletividade.
Essa é a opção que eles têm: manter um ICMS padrão para todos os produtos e serviços, ou adotar percentuais diferenciados. Mas, exercida a opção, com a criação de alíquotas diferentes, o critério a ser usado nessa discriminação não é opcional. Não pode ser diverso da essencialidade.
Quanto a ser subjetivo o conceito de essencial, isso pode se aplicar a um ou outro alimento, bebida, tempero, mas seguramente não à energia, sem a qual nenhum desses itens poderia ser eficientemente preparado, conservado, e levado até o seu consumidor. Alguns minutos sem energia, diante de uma falha no seu fornecimento, são suficientes para demonstrar isso.
O fato de existirem situações limite, nas quais o conceito de “essencialidade” pode ser posto em dúvida, não significa que não haja outras, nas quais claramente se está diante de algo essencial, como se dá com a energia.
Correta a Corte, portanto, ao coibir desrespeito patente que os legisladores estaduais mantiveram para a Constituição por tanto tempo. Tempo que, aliás, conduz a outro problema.
Com o argumento de que perderão receita, os Estados já postulam que o STF limite temporalmente os efeitos da decisão, afirmando que ela só teria aplicação para o futuro, ou mesmo estabelecendo um prazo no qual o tributo, mesmo inválido, continuaria sendo cobrado, para os Estados não “perderem” arrecadação.
Quanto a essa “perda”, um lembrete: se o Estado não arrecadar o tributo, ou se tiver de devolvê-lo, porque é indevido, o dinheiro não se perde. Ele não evapora. Permanece nas mãos de cada cidadão contribuinte, que poderá aplicá-lo para adquirir bens e serviços, para produzir, gerar empregos, e alimentar famílias.
Não se pode presumir que apenas quando sugado pelos cofres públicos o dinheiro tem alguma utilidade para a sociedade. Às vezes é o contrário.
ICMS e Essencialidade
Hugo de Brito Machado Segundo
Tem sido referida, recentemente, decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a invalidade das alíquotas do ICMS cobrado sobre o fornecimento de energia elétrica e os serviços de comunicação. Alíquotas são os percentuais usados para o cálculo do tributo devido, e no caso do ICMS a Constituição estabelece que elas podem ser seletivas, conforme a essencialidade daquilo que será tributado.
Os Estados interpretavam a Constituição como se houvesse uma mera permissão, que eles seguiriam se quisessem, para tributar de forma produtos e serviços conforme sua essencialidade, ou a partir de qualquer outro critério. Daí onerarem energia, e comunicações, com alíquotas elevadíssimas, que giram, a depender do Estado, próximo dos 30%. Defendiam, ainda, que o conceito de essencialidade seria relativo: o que seria essencial para uns, seria supérfluo ou mesmo nocivo para outros. O leite, por exemplo, para algumas pessoas é um alimento essencial, enquanto para outras, que a ele são alérgicas, chega mesmo a ser nocivo. Por isso, caberia ao legislador livremente definir o que seria supérfluo, para ser mais pesadamente tributado.
Mas os Estados não têm razão. A Constituição permite aos Estados discriminar, ou selecionar, produtos e serviços, com alíquotas diferentes. É o que se entende por seletividade. Essa é a opção que eles têm: manter um ICMS padrão para todos os produtos e serviços, ou adotar percentuais diferenciados. Mas, exercida a opção, com a criação de alíquotas diferentes, o critério a ser usado nessa discriminação não é opcional. Não pode ser diverso da essencialidade.
Quanto a ser subjetivo o conceito de essencial, isso pode se aplicar a um ou outro alimento, bebida, tempero, mas seguramente não à energia, sem a qual nenhum desses itens poderia ser eficientemente preparado, conservado, e levado até o seu consumidor. Alguns minutos sem energia, diante de uma falha no seu fornecimento, são suficientes para demonstrar isso. O fato de existirem situações limite, nas quais o conceito de “essencialidade” pode ser posto em dúvida, não significa que não haja outras, nas quais claramente se está diante de algo essencial, como se dá com a energia.
Correta a Corte, portanto, ao coibir desrespeito patente que os legisladores estaduais mantiveram para a Constituição por tanto tempo. Tempo que, aliás, conduz a outro problema. Com o argumento de que perderão receita, os Estados já postulam que o STF limite temporalmente os efeitos da decisão, afirmando que ela só teria aplicação para o futuro, ou mesmo estabelecendo um prazo no qual o tributo, mesmo inválido, continuaria sendo cobrado, para os Estados não “perderem” arrecadação.
Quanto a essa “perda”, um lembrete: se o Estado não arrecadar o tributo, ou se tiver de devolvê-lo, porque é indevido, o dinheiro não se perde. Ele não evapora. Permanece nas mãos de cada cidadão contribuinte, que poderá aplicá-lo para adquirir bens e serviços, para produzir, gerar empregos, e alimentar famílias. Não se pode presumir que apenas quando sugado pelos cofres públicos o dinheiro tem alguma utilidade para a sociedade. Às vezes é o contrário.