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Banalização da modulação
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Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor da Faculdade de Direito da UFC e do Centro Universitário Christus. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria.

Banalização da modulação

Imaginada para situações excepcionais, prática busca evitar aplicação de leis inconstitucionais
Ultimamente tem sido comum, no Brasil, ver a Fazenda Pública pleitear, e o STF conceder, a modulação de efeitos de praticamente toda e qualquer decisão que lhe desfavorece (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil Ultimamente tem sido comum, no Brasil, ver a Fazenda Pública pleitear, e o STF conceder, a modulação de efeitos de praticamente toda e qualquer decisão que lhe desfavorece

Diz-se “modulação de efeitos” a limitação temporal das repercussões de uma decisão judicial, geralmente quando o Supremo Tribunal Federal reconhece que alguma lei é inválida, por ser contrária à Constituição. Em outras palavras, o STF decide que uma determinada lei é inconstitucional, mas isso só precisa ser levado a sério a partir de uma data estabelecida pelo próprio Tribunal. Até lá, é como se a lei valesse.

A modulação foi imaginada para situações excepcionalíssimas, a fim de evitar que, com a declaração de inconstitucionalidade, se crie uma situação “ainda mais inconstitucional”, como ensinava Paulo Bonavides.

Seria o caso de uma lei que autorizasse a criação de novos municípios, em face da qual alguns fossem efetivamente implantados, sendo depois declarada sua inconstitucionalidade.

Modulando-se os efeitos da declaração, impede-se a criação de novos municípios nos moldes tidos como inconstitucionais, mas aqueles já criados, e todos os atos daí decorrentes – como a eleição de prefeitos e vereadores, a criação de cargos, a edição de leis municipais, a prática de atos por tais autoridades etc. – não precisariam ser desfeitos, o que em alguns casos seria impossível, além de causar grave insegurança e muita confusão.

Apesar disso, ultimamente tem sido comum, no Brasil, ver a Fazenda Pública pleitear, e o STF conceder, a modulação de efeitos de praticamente toda e qualquer decisão que lhe desfavorece, notadamente quando declaram a inconstitucionalidade de um tributo.

O argumento é o de que, se a invalidade não for reconhecida apenas para o futuro, o Poder Público terá de devolver o tributo àqueles que já o pagaram, causando um “rombo” nos cofres públicos. O exemplo mais recente, ainda não decidido, é do julgamento sobre a invalidade da cobrança de imposto de renda sobre pensões alimentícias.

Todas as mulheres que se preparavam para pleitear a restituição do imposto pago sobre as pensões recebidas, reparando uma situação de injustiça e de desigualdade de gênero, poderão ser surpreendidas, em breve, com a notícia de que a decisão, para elas, “só vale daqui para frente”.

Trata-se de um grave equívoco. Medida excepcional, a modulação exige uma situação também excepcional para ser aplicada, tal como no exemplo acima utilizado da criação de municípios.

A necessidade de devolver tributos pagos de maneira indevida é uma consequência nada excepcional. É uma decorrência normal, lógica e necessária, óbvia mesmo, de toda decisão que reconhece inconstitucional uma cobrança.

É até intuitivo: se não podia ter cobrado, tem que devolver o que cobrou! Não se admite, portanto, que isso sirva de motivo para modulações. O “rombo”, se a cobrança era indevida, deu-se no bolso da cidadã, e precisa ser reparado.

Do contrário, crescerá, ainda mais, no cidadão, a crença de que a lei só vale contra ele, o que, além de injusto, não é saudável para a eficácia das instituições de que dependemos para bem viver em sociedade.

 

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