Professor de História na rede pública Estadual de Ensino do Ceará. Doutor em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Patrimônio e Memória (GEPPM-UFC) e vice-líder e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa História, Gênero e América Latina (GEHGAL-UVA)
O eloquente ministro (Guedes) escorrega e tropeça tanto que algumas notícias já dão conta de que aliados do presidente avaliam "esconder" o chefe da equipe econômica durante a campanha à reeleição
Alguns governos “nascem” polêmicos. Outros, por conta do seu conteúdo, criam polêmicas. Há ainda outros cuja razão de ser é apenas, e tão somente, gerar polêmica. A característica desse tipo de governo e seus proclamadores geralmente segue o mesmo padrão: afirmações fortes, para depois diminuir-lhes os efeitos e a seriedade de eventuais polêmicas.
Embora não seja produtivo dar muito lastro para quem tem pouca vela, acho interessante tentar entender os objetivos do ministro da economia, por exemplo, na insistência em falas problemáticas para que possamos dimensionar a repercussão que elas geram.
A escolha se justifica: o ministro parece ser uma pessoa confusa. Ele “confundiu” as guerras mundiais, durante evento de lançamento do Marco de Securitização e Fortalecimento de Garantias Agro; confundiu também substantivo comum com substantivo próprio, sugerindo que a economia do País está favorável o bastante para que a maioria dos brasileiros se permitam investir em telefone celular cuja marca figura como uma das mais caras do mundo.
Nessa lógica, ele subverte a história, e as desigualdades produzidas por causa dela, em nome dela ou apesar dela, para valorizar apenas a tirania do senso comum.
Desconfio que não se trata apenas de uma escorregada, para usar os termos do senhor Ministro. É mais um recurso de maquiagem social que busca aliviar tensões imediatas sem investir nos problemas reais, como os da parcela mais pobre da população que precisou recorrer ao consumo de ossos para substituir a carne ou ainda na relação diretamente proporcional entre o aumento no preço do gás de cozinha e a alta do número de queimaduras por líquidos inflamáveis.
Vale lembrar, Guedes já golfava que o povo brasileiro põe muita comida no prato, dando a entender que a culpa do desperdício de alimentos estava na casa das pessoas e não na cadeia de produção que beneficia o agronegócio, para ficar somente neste exemplo.
O eloquente ministro escorrega e tropeça tanto que algumas notícias já dão conta de que aliados do presidente avaliam “esconder” o chefe da equipe econômica durante a campanha à reeleição. Blindado, Guedes seguirá tranquilo em sua agenda de deformas – ops! desculpa o escorregão deste colunista –, de diminuição do tamanho do Estado, de privatizações e de concessões à iniciativa privada.
Duvido que a proteção de Paulo Guedes seja apenas para tratar um problema seu de linguagem. Afinal, na forma e no conteúdo, o ministro demonstra que não é alguém desprovido de raciocínio e de reflexão, pelo contrário, é sua visão de mundo que é limitada e fragmentada mesmo.
Para finalizar, assumo agora o risco de uma injusta comparação ao tomar de empréstimo as palavras de Graciliano Ramos, no livro Vidas Secas, para convidar você que está lendo este texto a pensar na linguagem como espelho do mundo:
“Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. [...]. Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na verdade, falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.”
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