Joelma Leal assume como ombudsman do O POVO no mandato 2023/2024. É jornalista e especialista em Marketing. Atuou como editora-executiva de sete edições do Anuário do Ceará, esteve à frente da coluna Layout por 12 anos e foi responsável pela assessoria de comunicação do Grupo, durante 11 anos.
Por certo, são bem-vindos a liberdade de expressão e o confronto de ideias, a propósito, expressão que dava nome a uma antiga sessão do O POVO, mas neste caso vai muito além de opinião contrária. Trata-se de uma sequência de teses inverídicas
Domingo de Carnaval e O POVO publica o seguinte artigo "Derrotados pelo Complexo", de autoria do ex-professor de Ciências Políticas Pedro Henrique Chaves Antero, articulista fixo. O material rendeu, quase que de imediato, mais de 20 mensagens de repúdios de leitores acerca do conteúdo. Pudera. Ele defende que tivesse havido um golpe após o pleito de 2022, que elegeu Lula presidente pelo voto popular e lamenta o fato de os generais terem falhado nos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Difícil, até, selecionar apenas um parágrafo para mostrar tamanha insensatez. Uma parte do material traz "Complexados, alguns poucos generais impediram que as Forças Armadas desempenhassem o seu papel de guardiãs da liberdade, deixando que o arbítrio tomasse conta da vida brasileira". Como assim?
O autor da publicação já havia sido mote de discussão interna e externa, assim como tema da coluna da jornalista Juliana Matos Brito, quando estava à frente do ombudsmato, no fim de 2022. À época, o artigo fazia explícita defesa da ditadura. Desta vez, a defesa é pelo golpismo. "O Brasil, então, está condenado a viver sem liberdade e assistir a toda espécie de barbaridade que vem sendo cometida pelos adoradores da corrupção e da ditadura." Traz outro trecho. Só piora.
Arrisco dizer que deve haver, sim, leitores que concordam com cada palavra ali escrita. No entanto, nenhum comentário positivo chegou, até o momento, aos canais de contatos com a ombudsman. Por certo, são bem-vindos a liberdade de expressão e o confronto de ideias, a propósito, expressão que dava nome a uma antiga seção do O POVO, mas neste caso vai muito além de opinião contrária. Trata-se de uma sequência de teses inverídicas.
O mais contraditório: O POVO havia trazido uma série de conteúdos acerca do lastimável 8 de janeiro, mostrando o quão absurdo havia sido o episódio, detalhando os prejuízos e os crimes ali cometidos. Daí, quase dois meses depois, abre espaço para um conteúdo com esse teor. Ou seja, um "questionável pluralismo", como definiu um leitor.
Dentre as mensagens recebidas, destaco fragmentos de algumas delas: "Sou a favor do contraditório, mas não posso defender quem deseja destruir a democracia". "Os discursos de manutenção da pluralidade de ideias e de ser um veículo democrático em hipótese alguma justificam que um jornal como O POVO abra as portas a discursos/artigos que promovam ou incentivem atos antidemocráticos e anticonstitucionais". "Pedro Henrique faz críticas contundentes, inclusive, aos generais 'que por acovardamento' não tiveram coragem para viabilizar o desfecho golpista. É hora do O POVO avaliar qual sua real posição. Afinal, O POVO continuará dando guarida a grupos e pessoas que continuam a agir contra as instituições democráticas?". Com efeito, O POVO não tem, em seus últimos anos, alinhamento com tais pensamentos apontados pelo articulista, daí o estranhamento e a gigantesca repercussão.
Diretoria de Opinião
O diretor de Opinião do O POVO, Guálter George, enviou um comentário acerca do episódio, que reproduzo abaixo, na íntegra. Trago a seguir, portanto, partes da resposta do jornalista: "Para alguns leitores a publicação do texto de Pedro Henrique Antero, no último dia 19/2, teria contrariado a Carta de Princípios do O POVO no trecho em que firma seu compromisso inegociável com os valores democráticos. A compreensão que temos na Diretoria de Opinião indica o contrário, exatamente, colocando o veto ao artigo no plano de uma tentativa de ignorar uma linha de pensamento que faz parte do debate político atual, equivocada que seja, repleta que esteja de fundamentos e argumentos bastante questionáveis, dentro de uma perspectiva que entendemos no limite do aceitável para publicação num órgão de imprensa que tem compromissos institucionais e os preserva como poucos. A decisão não é fácil. (...) O espaço de Opinião acolhe pensamentos diferentes exatamente por sua natureza de ambiente aberto ao diverso e também apresenta força na capacidade que tiver de compreender o País a partir de cada momento que ele vivencia, consideradas suas peculiaridades e as circunstâncias. Então, sim, há um debate aberto sobre a aplicação correta do artigo 142 da Constituição Federal, ponto no qual se apoia o articulista para sua tese equivocada de que haveria ali abertura para uma intervenção das Forças Armadas no poder constituído com o intuito de colocar ordem nas coisas. No próprio meio jurídico, incluindo até magistrados entre elas, há vozes que respaldam a ideia e mantêm o tema vivo, mesmo que com menos entusiasmo hoje do que acontecia até um tempo atrás".
Fato é que a decisão de conceder espaço para tais textos põe em risco a fidedignidade do Grupo. Não seria um tiro no pé (pegando emprestada a citação de um dos leitores inconformados)? "As Forças Armadas falharam no cumprimento de seu dever constitucional e o país está condenado a retroceder a um passado de vergonha". Assim termina a reflexão do articulista em questão. Decerto, O POVO não viu o que acabamos de ler.
Íntegra da resposta do diretor de Opinião do O POVO, Guálter George:
De novo, a pergunta a ser respondida é: pode o jornal intervir na compreensão que têm seus articulistas sobre os fatos que decidem abordar? Parece óbvio que a resposta seja negativa, mesmo nas situações em que a nossa linha editorial diverge frontalmente da visão exposta no texto cuja autoria está identificada e delimitada de maneira muito clara. É o que acontece explicitamente neste caso em discussão.
Um outro ponto muito presente aos questionamentos que chegam nos últimos dias, por vias diretas ou através dos nossos espaços de interlocução com o público, cobra um alegado descumprimento à nossa Carta de Princípios, no trecho em que O POVO firma seu compromisso inegociável com os valores democráticos. Para alguns leitores a publicação do texto de Pedro Henrique Antero, no último dia 19/2, teria contrariado esse princípio.
A compreensão que temos na Diretoria de Opinião indica o contrário, exatamente, colocando o veto ao artigo no plano de uma tentativa de ignorar uma linha de pensamento que faz parte do debate político atual, equivocada que seja, repleta que esteja de fundamentos e argumentos bastante questionáveis, dentro de uma perspectiva que entendemos no limite do aceitável para publicação num órgão de imprensa que tem compromissos institucionais e os preserva como poucos.
A decisão não é fácil, não foi numa situação anterior que envolvia o mesmo personagem, registrada em 27/11/2022, e nem o é agora, mas nunca vislumbramos a prática da democracia com o viés de um mar de rosas. O espaço de Opinião acolhe pensamentos diferentes exatamente por sua natureza de ambiente aberto ao diverso e também apresenta força na capacidade que tiver de compreender o País a partir de cada momento que ele vivencia, consideradas suas peculiaridades e as circunstâncias.
Então, sim, há um debate aberto sobre a aplicação correta do artigo 142 da Constituição Federal, ponto no qual se apoia o articulista para sua tese equivocada de que haveria ali abertura para uma intervenção das Forças Armadas no poder constituído com o intuito de colocar ordem nas coisas. No próprio meio jurídico, incluindo até magistrados entre elas, há vozes que respaldam a ideia e mantêm o tema vivo, mesmo que com menos entusiasmo hoje do que acontecia até um tempo atrás.
Tanto é verdadeiro que estamos diante de um debate real que há um grupo de parlamentares ligados ao governo atual, alvo principal dos movimentos que motivam o articulista questionado, organizando-se no Congresso para sugerir adequações ao artigo constitucional de modo a suprimir possíveis ambiguidades. Feito isso, a conversa muda de patamar e as nossas decisões podem ser tomadas considerando outras bases objetivas.
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