Com formação em desenvolvimento mobile pelo IFCE e pela Apple Academy, junto ao seu conhecimento em Design e Animação, atuação em UI|UX e experiência na criação de aplicativo móveis, fundou a Startup Mercadapp. É amante dos livros, da música, do teatro e do ballet. Tudo isso sempre junto e misturado a tecnologia e inovação. Escrever sempre foi seu refúgio dentro dessa jornada tão desafiadora, que é ser uma jovem mulher empreendedora
Eu estava em Madrid para um intercâmbio de espanhol de três semanas. A decisão de embarcar nessa experiência vinha do meu desejo de mergulhar não apenas na língua, mas também na cultura que a sustenta
Foto: Pexels/Israyosoy S.
Imagem ilustrativa de apoio
Madrid é guardiã de tradições que sobrevivem ao tempo e que mantêm viva a essência da identidade espanhola. Entre essas tradições, o flamenco ocupa um lugar muito especial. Embora nascido na Andaluzia, no sul da Espanha, o flamenco encontrou em Madrid um dos seus palcos mais vibrantes e respeitados.
A capital abriga alguns dos tablaos mais conhecidos do país, casas intimistas onde essa arte explode diante dos olhos atentos de madrilenhos e turistas. Foi justamente em um desses tablaos que vivi uma das noites mais intensas e marcantes do meu intercâmbio.
Eu estava em Madrid para um intercâmbio de espanhol de três semanas. A decisão de embarcar nessa experiência vinha do meu desejo de mergulhar não apenas na língua, mas também na cultura que a sustenta.
Estudar em sala de aula é essencial, mas eu sempre acreditei que o verdadeiro aprendizado acontece quando nos deixamos atravessar pelas vivências cotidianas, pelas conversas informais, pelos gestos e pelos sons de um lugar.
No curso, conheci pessoas do mundo inteiro, e entre elas, fiz amizade com um colega que compartilhava da mesma curiosidade pela cultura espanhola. Foi com ele que decidimos assistir a um espetáculo de flamenco. Queríamos algo além dos cartões-postais da cidade, algo que nos permitisse sentir de perto a alma do país.
Antes de descrever a noite em si, é impossível não falar um pouco sobre o que é o flamenco. Mais do que uma dança, o flamenco é uma expressão cultural complexa, que reúne música, canto e movimento. Suas origens remontam ao século XVIII, principalmente na Andaluzia, mas suas raízes são muito mais antigas, ligadas à fusão de diferentes povos e culturas.
Os ciganos, que chegaram à Península Ibérica por volta do século XV, tiveram papel central no desenvolvimento do flamenco. Mas essa arte também foi moldada pelas influências árabes, que durante séculos ocuparam a região, pelos judeus sefarditas, com suas tradições musicais, e pelos cristãos, que já viviam ali.
Essa mistura resultou em uma forma de expressão visceral, marcada por sentimentos profundos. O flamenco é emoção pura: dor, paixão, resistência, alegria, devoção. É uma linguagem que transcende palavras. Os “palos”, os estilos do flamenco, variam de acordo com o tema e a emoção transmitida: há canções que falam de sofrimento e luto, outras que celebram a vida e o amor.
Em 2010, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou o flamenco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, reconhecendo sua importância universal e a necessidade de preservá-lo.
Madrid, apesar de não ser o berço original, é hoje um dos principais centros do flamenco. Muitos artistas migram para a capital em busca de projeção, e os tablaos se tornaram verdadeiros templos dessa tradição.
Naquela noite, seguimos as ruas estreitas de Madrid até chegarmos ao local escolhido. O tablao não era imponente por fora: parecia um espaço discreto, quase escondido. Mas bastava atravessar a porta para sentir a atmosfera mudar. O ambiente era intimista, com poucas cadeiras.
As luzes baixas criavam um clima acolhedor, e o palco, pequeno e próximo do público, parecia convidar a uma conexão intensa. Não era como um grande teatro, onde a distância separa os artistas da plateia. Ali, era possível ver o suor, ouvir a respiração, sentir a energia quase palpável de quem se apresentava.
Sentamos na primeira fileira, animados e curiosos. O murmúrio das pessoas foi diminuindo até que, de repente, a luz se concentrou em um guitarrista. Os primeiros acordes ecoaram, fortes e vibrantes. Logo, um cantor iniciou sua voz grave e potente, cheia de emoção. Então, entrou em cena a bailaora.
Ela surgiu vestida com um traje tradicional, longo e com babados que se moviam junto a cada passo. Seus olhos transmitiam intensidade, e sua postura era firme, quase desafiadora. Quando começou a dançar, o som dos sapateados encheu o espaço. Era como se seus pés dialogassem com a guitarra e com o canto.
O público, em silêncio absoluto, acompanhava cada movimento. Não havia coreografia ensaiada de forma rígida; havia improviso, entrega, emoção verdadeira. O flamenco, naquele instante, parecia nascer diante de nós. As palmas, chamadas de palmas sordas e palmas claras, marcavam o ritmo.
O guitarrista, com sua maestria, variava entre acordes intensos e notas delicadas. A voz do cantor era carregada de sentimento, como se contasse histórias de séculos em cada verso.
Eu e meu colega trocávamos olhares impressionados. Era como se tivéssemos sido transportados para outro tempo, outra realidade. Ali não havia nada artificial, nada turístico demais: era a Espanha em sua forma mais autêntica e visceral.
O flamenco, com sua intensidade, nos fez sentir a Espanha de um jeito que nenhum livro poderia explicar. Foi um mergulho cultural que deu ainda mais sentido ao intercâmbio.
A noite de flamenco foi, para mim, um lembrete de que as melhores experiências acontecem quando nos abrimos para o novo e nos deixamos envolver de corpo e alma.
Viagens mundo afora. As mais diversas culturas, curiosidades e histórias. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.