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Roubos caem no Ceará, mas casos de estelionato aumentam
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua em redações desde 2014, quando participou do programa Novos Talentos, no O POVO. É repórter do caderno de Cidades, onde tem ênfase na cobertura de segurança pública. Escreve ainda para Esportes O POVO. Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas, na UFC.

Roubos caem no Ceará, mas casos de estelionato aumentam

Hipótese de migração entre as modalidades criminosas deve ser levada a sério, com o devido investimento para prevenir e responsabilizar golpistas virtuais
Tipo Opinião
Celulares, já há muitos anos, viraram peças-chave nos crimes de roubo e estelionato (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil Celulares, já há muitos anos, viraram peças-chave nos crimes de roubo e estelionato

É comum haver uma certa desconfiança em relação às estatísticas de roubos (os Crimes Violentos contra o Patrimônio — CVPs) divulgadas mensalmente pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Há anos, o Ceará só registra queda no número das ocorrências, o que vai de encontro com a sensação de insegurança sentida pela população ao andar pelas ruas.

É algo natural, visto que é de conhecimento público que que nem sempre a redução no número de crimes registrados está acompanhada do aumento da sensação de segurança — muitas vezes, o inverso também ocorre.

Há também uma crítica pertinente sobre a subnotificação de roubos, já que muitas pessoas não denunciam os crimes sofridos por acharem uma perda de tempo. Entretanto, a subnotificação sempre existiu, de forma que é difícil creditar apenas a esse fenômeno a redução recente no número de CVPs.

A evolução tecnológica, inclusive, é um aliado na luta contra a subnotificação, à medida em que ficou muito mais fácil registrar roubos com os boletins eletrônicos, que podem ser feito rapidamente em https://www.delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo/del_vir_new.jsp.

Além disso, como em grande parte dos casos de roubos, celulares e documentos estão entre os bens subtraídos, registrar queixa tornou-se praticamente obrigatório, seja para tirar a segunda via de um documento, seja para bloquear contas virtuais passíveis de acesso no aparelho ou, mesmo, para tentar recuperá-lo ou bloqueá-lo em iniciativas como o Meu Celular e o Celular Seguro.

Então, está tudo indo bem no combate aos crimes contra o patrimônio no Ceará? Não é bem assim. A média de 73,44 roubos por dia no Estado, conforme registrado de janeiro a setembro deste ano, ainda é altíssima e não traz tranquilidade aos cearenses.

Além disso, o Pix, uma das maiores inovações tecnológicas da história do Brasil, trouxe como efeito colateral o reavivamento de modalidades como o sequestro-relâmpago, uma vez que criminosos têm buscado fazer esse tipo de transferência mediante a restrição de liberdade — foi o que aconteceu, por exemplo, no caso de um médico mantido refém por criminosos em um cativeiro na Granja Lisboa na semana passada.

E há ainda o problema do avanço dos golpes. Na contramão das estatísticas de roubo, os registros de estelionato têm crescido no Ceará nos últimos anos.

Reportagem publicada em janeiro deste ano neste O POVO+ mostra que os casos previstos no artigo 171 do Código Penal Brasileiro aumentaram significativamente desde o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 e já ultrapassam os registros de crimes do artigo 157.

Somente no primeiro semestre de 2024, por dia, 187,90 casos de estelionato foram registrados no Ceará. Evidentemente, são os golpes virtuais que puxam essas estatísticas para cima. Cada vez mais, nossas vidas estão online, inclusive, nossos rendimentos e investimentos, de forma que o dinheiro em espécie está sumindo e o acesso a contas bancárias está ficando cada vez mais atrativo para os ladrões.

Depois de 2020, casos de estelionatos passaram a superar os de roubos no Ceará(Foto: Infografia O POVO, com base em dados da SSPDS)
Foto: Infografia O POVO, com base em dados da SSPDS Depois de 2020, casos de estelionatos passaram a superar os de roubos no Ceará

Até mesmo a cada vez maior virtualização dos relacionamentos interpessoais abre uma brecha para golpes dos mais variados, seja passar-se por um amigo que trocou de celular e está precisando de dinheiro no momento, seja fingir ser uma pessoa que não é para tirar vantagem financeira de um pretendente amoroso.

No caso dos estelionatos, a subnotificação pode ser um problema ainda mais grave, já que muitas pessoas acreditam que delitos virtuais são de elucidação ainda mais difícil e, por isso, a queixa é ainda mais ineficaz.

Soma-se a isso a possibilidade do crime ser interestadual ou, até mesmo, internacional, já que uma quadrilha pode aplicar golpes no Ceará estando situada no Rio Grande do Sul — e vice-versa.

Tais questões estão tornando o crime virtual mais sedutor a criminosos, que se vêem na possibilidade de angariar mais dinheiro sem os riscos existentes nos delitos presenciais.

É uma questão que preocupa, sobretudo, diante da histórica predileção pelo patrulhamento ostensivo registrada nas políticas de segurança pública implantadas em todo o País.

A prevenção e responsabilização de golpes virtuais são praticamente imunes ao policiamento baseado em viaturas e ponto-base, requerendo qualificação pessoal e tecnológica em investigação e inteligência. Nossas Forças de Segurança estão preparadas para essa nova realidade?

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