Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
"Não falamos aqui sobre a diminuição do número de alfabetizados — outro índice
nacional vergonhoso —, não se trata daqueles que dispõem das ferramentas mínimas e
imprescindíveis à decifração das frases nos textos..."
Foto: Samuel Setubal
Pesquisa revela que Brasil perdeu 7 milhões de leitores nos últimos quatro anos
A 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada em novembro de 2024, aponta que perdemos quase 7 milhões de leitores em 4 anos.
“53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores ao levantamento". O quadro é mais alarmante se forem considerados somente leitores que concluíram as páginas de um livro.
Não falamos aqui sobre a diminuição do número de alfabetizados — outro índice nacional vergonhoso —, não se trata daqueles que dispõem das ferramentas mínimas e imprescindíveis à decifração das frases nos textos.
Falamos sobre mais da metade dos brasileiros privados de um direito humano básico, tão importante quanto alimentação, moradia, vestuário, instrução, saúde, liberdade individual, amparo da justiça, resistência à opressão, bem como o direito à crença, à opinião, ao lazer, segundo defendeu o maior crítico literário que nosso país já gerou, Antonio Candido, em seu texto “Direitos humanos e Literatura”.
Ler “confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante”, ele diz.
A gravidade dos dados revelados na sondagem me afeta e entristece, e assim seria ainda que eu não me dedicasse à formação de leitores, como tenho feito há muitos anos.
Eu me recuso a declinar do sonho de um país leitor que supere as suas mazelas sociais e garanta ao seu povo todos os direitos, inclusive, à Literatura. A questão é desafiadora. Não se impõe a ninguém gostar de nada, nem de ler. Não é de fora para dentro.
A leitura é um processo subjetivo, individual, que começa no despertar do desejo. É de dentro para fora que o amor acontece.
O que nos faz preferir uma cor, uma música, uma fruta, um modo de vestir diz respeito à identidade e às vivências particulares. Às vezes, nem sabemos explicar o motivo.
Se há políticas públicas, estímulo ao acesso nas bibliotecas, nas escolas, nas estantes de casa, se escritoras e escritores vão às salas de aula, se professores e familiares são exemplos de relações gratificantes, transformadoras com e-books, audiobooks, impressos, se clubes compartilham sensações, comunidades temáticas se reúnem, nasce a disposição para viver a experiência leitora.
Algo desse conjunto (ou tudo nele) toca a alma do futuro leitor, acende o seu interesse. Valem todos os esforços para mudar o atual retrato da leitura no Brasil. Depois disso, é entre o leitor e o livro.
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