Jornalista, colunista de Economia da rádio O POVO/CBN; Coordenador de Projetos Especiais do Grupo O POVO DE COMUNICAÇÃO; Co-Autor do livro '50 Anos de Desenvolvimento Industrial do Ceará' e autor dos 'Diálogos Empresariais', dois livros reunindo depoimentos de líderes empreendedores do Estado do Ceará
Fortaleza, como de resto o Brasil, chega aos anos XXI com um profundo apartheid construído ao longo desses anos pelas elites políticas, divididos entre os da escola pública e os da escola privada, o transporte coletivo e o carro, o carro do cidadão e o carro chapa branca
Aniversário ontem de Fortaleza. Muito a comemorar. E muito a cobrar.Uma linda cidade construída pelas gerações que dela cuidaram. Bem ou mal, mas cuidaram. Crescimento, mais do que desenvolvimento.
Sou filho daqui. Nasci ali, na Gentilândia, por trás da reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). Na minha segunda infância já me vi um personagem social da cidade. Lembro os que eram meus vizinhos na Rua dos Tabajaras, 542 - Praia de Iracema: Carloto Pergentino Maia, dono de cartório. A cinquenta metros, em direção ao mar, o banqueiro João Gentil; do lado esquerdo da nossa casa e de frente para o "tio" Carloto, era a residência de um pescador, o "seu" Tatá, um dos heróis da aventura de ir ao Rio de Janeiro de jangada.
Ainda no quarteirão, a casa do fotógrafo Sales, um funcionário de uma loja do comércio que não recordo o nome, vizinho do engenheiro Hugo Rocha. Uma linha de ônibus atendia a todos nós. Quando não, o bonde na Av. Pessoa Anta, que fazia a linha em direção ao centro da cidade.
Observem a harmonia social do bairro, entre pescadores, fotógrafos, profissionais do comércio e banqueiros como vizinhos, trocando bons dias e boas tardes. Depois fui morar na rua Senador Pompeu, com idêntica diversidade social: radialistas, médicos, um deputado federal nosso vizinho, um bodegueiro colado à nossa casa, de frente um grande exportador, uma pianista, um contador, um fazendeiro, um sargento da aeronáutica, um mecânico, um professor vizinho de um discreto servidor público. Todos iguais como cidadãos, os meninos se misturavam felizes jogando bola de meia e correndo de patins, e os pais se confraternizavam nos fins de semana. Uma diversidade fascinante.
Vários anos a partir dos 50 foram disseminando os desequilíbrios urbanos e sociais. Uma mazela bem brasileira. Fortaleza foi inflada pela imigração das secas, atraída pela vida na cidade grande, onde ninguém "morre de fome", como nas crônicas de Raquel. O resultado foi o desemprego estrutural e a crescente demanda por espaços urbanos civilizados para moradia.
As políticas públicas não acompanharam a feroz urbanização estimulada pelos equívocos do próprio governo. Os maus políticos fomentaram as ocupações, criando seus currais eleitorais. A dócil mão-de-obra imigrante não estava preparada para a travessia da era analógica para a digital. Ela é atualmente em grande parte os do bolsa-família, do vale-gás, da luz subsidiada.
No novo século, Fortaleza esforça-se para minimizar os efeitos negativos de décadas, com investimentos que ecoam a favor dos políticos nas urnas: hospitais, maternidades, água em casa, poste com energia e segurança. Saneamento, nem pensar, "fica debaixo da terra".
A educação secundaria, por seu turno, chegou às cidades do interior mais recentemente. Filho que queria estudar, vinha para a capital, e no mesmo rastro seguiam-se os pais, os irmãos e os avós. A esperança de uma vida melhor que o sertão não acendia.
Os sucessivos governos municipais olham a periferia como um lugar de apartheid social, e não como cidadãos com direitos e obrigações. Deficiente transporte público, ineficiente acesso à internet, resíduos sólidos sem coleta, insegurança generalizada, ordenamento do território inexistente, são como condenar a segregação social - o Harlem de Nova York, tal como nasceu e hoje recriado por estratégias inteligentes.
Fortaleza, como de resto o Brasil, chega aos anos XXI com um profundo apartheid construído ao longo desses anos pelas elites políticas, divididos entre os da escola pública e os da escola privada, o transporte coletivo e o carro, o carro do cidadão e o carro chapa branca. A indianização social.
296 anos de Fortaleza, e assim, como refletiu o filósofo e biólogo David Bueno, "a civilização melhora a cada geração, ou então os humanos já teriam desaparecido". Amanhã seremos bem mais iguais, como a juventude que vivi. Esta a minha esperança. Parabéns, Fortaleza!
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