
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
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Tudo começa com a palavra. A forma como falamos nunca é neutra — ela molda percepções, reforça ideias e pode, muitas vezes, sustentar preconceitos. No caso dos processos demenciais, a escolha das palavras tem um peso ainda maior: pode perpetuar estigmas ou abrir espaço para a inclusão.
Com essa consciência, a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz) lançou o Guia de Linguagem Inclusiva em Demência (https://febraz.org.br/guia-de-linguagem-inclusiva-em-demencia/). A publicação é inédita no País e voltada à comunicação nas áreas da saúde, da mídia, da educação, das redes sociais e, claro, do nosso dia a dia.
O material reúne orientações, exemplos de palavras e imagens que respeitam a dignidade de cada pessoa. O Guia apresenta expressões a serem evitadas e alternativas mais respeitosas, oferecendo diretrizes práticas e recomendações para uma comunicação mais inclusiva.
"Pequenas mudanças na forma de se comunicar podem ter um impacto profundo: aproximar em vez de afastar, incluir em vez de excluir, reconhecer em vez de apagar", destaca a direção da Febraz.
A proposta é clara: evitar expressões catastróficas ou desumanizadoras — como "vítimas", "condenados", "morte em vida" ou "cascas vazias". Essas formas de falar sobre a demência, segundo as pesquisadoras que assinam o documento, reforçam visões de impotência e desesperança, afetando não só as pessoas diagnosticadas, mas também as suas famílias.
"Isso pode, inclusive, dificultar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento — e até se transformar em violência, negligência e abandono", alertam as autoras.
O documento é assinado por Elaine Mateus, presidente da Febraz, doutora em Linguística Aplicada e cofundadora do Instituto Não Me Esqueças, juntamente com outros quatro pesquisadores. Eles destacam que a forma como falamos reforça percepções sobre a demência e quem vive com ela.
Ou seja, precisamos de uma reeducação e desafiar narrativas alarmistas para evitar termos pejorativos e redefinir os papéis dos diferentes atores sociais (família e profissionais de saúde, pesquisadores, entre outros).
Infelizmente, ainda falta a consciência de que cada pessoa com demência tem direitos, dignidade e voz. E a maneira como nos referimos a elas influencia diretamente o modo como são tratadas. A Febraz faz esse alerta e o Guia apresenta críticas aos discursos que infantilizam e reforçam estereótipos, gerando medo, isolamento e a falsa ideia de incapacidade.
A proposta é simples, mas transformadora: adaptar a linguagem para refletir uma visão mais inclusiva e positiva, valorizando a diversidade e as potencialidades preservadas das pessoas com demência.
"Os contradiscursos devem acolher a condição como parte da experiência humana — usar termos que descrevem a demência como parte possível da vida, sem patologizar, alarmar ou reduzir a identidade da pessoa à sua condição."
Mais do que um guia de palavras, o documento propõe uma mudança de olhar. Sugere inclusive uma adaptação da linguagem biomédica, para uma perspectiva mais holística, que considere também os aspectos emocionais, sociais e físicos da vida, valorizando as relações, as experiências e o bem-estar.
No fim das contas, somos muito mais do que rótulos ou diagnósticos. Temos histórias, memórias e ciclos que merecem respeito. Falar de forma inclusiva é reconhecer isso — e garantir que todos tenham o direito de viver com dignidade, independentemente da condição física ou cognitiva.
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