Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Enquanto cobria seu filho de 9 anos com o lençol, Otávio o ouviu dizer:
- Pai, acho que a Ivana gosta de mim. Hoje o Lucas disse na frente dela que ela gostava de mim e ela não falou nada...
- É, meu filho?
- É. E eu estou querendo falar com ela que gosto dela também. Acho que vou pedir ela pra namorar.
- E o que é namorar pra você, Luiz? É pegar na mão, ficar abraçado?
- Não pai. O Pedro da minha sala já namora. É poder conversar mais com ela na hora do recreio. Senão outro menino vai namorar com ela e eu não vou poder mais pedir ela pra namorar comigo.
- E como você pretende falar com ela, Luiz?
- Acho que vou esperar o final da aula - nós sempre somos os últimos a sair da sala - e perguntar se o que o Lucas disse, que ela gosta de mim, é verdade.
- E aí?
- Se ela disser que sim, vou falar: “Que bom, porque eu gosto de você também”.
- Ela pode se assustar um pouco, acho que você deve ser o primeiro menino que pede ela pra namorar. E se ela falar que não é verdade?
- Aí eu vou dizer: “Que pena, porque eu gosto de você”
No dia seguinte, voltando do colégio, Otávio perguntou:
- E aí? Você falou com ela?
Luiz começou a chorar.
- ... Falei. Ela disse que não era verdade... Aí eu falei que era uma pena, porque eu gostava dela. E ela respondeu que era muito nova pra pensar nessas coisas...
O coração de Otávio quase parou. Luiz controlou o choro, não queria que a irmã menor percebesse que estava chorando.
A noite, quando de novo o pai colocava o lençol, a conversa recomeçou.
- Pai, hoje à tarde a Ivana me ligou. Perguntou algumas coisas esquisitas, conversou um pouco comigo e desligou meio que assim do nada.
- Acho que ela queria ver se você ficou com raiva dela, Luiz. Ela é sua amiga, gosta de você. E ficou com medo de você ter ficado chateado e se afastar dela. Quando viu que você estava conversando com ela normalmente, desligou.
- E agora, o que eu faço?
- Acho que ela assustou mesmo quando você falou que gostava dela. E falou aquilo de ser nova. Vamos ver como ela vai te tratar amanhã, vamos pensando numa forma de tentar explicar pra ela que você quer namorar como um menino namora. E que para namorar assim ela não está nova como disse.
- Tá.
- Luiz, eu fiquei bem triste hoje mais cedo, quando você me contou a conversa. Queria muito que ela tivesse topado namorar você. Sei que você ficaria muito alegre. Eu também. Mas quero lhe dizer, de qualquer modo, que estou muito orgulhoso de você, muito feliz com você, meu filho.
- Por quê?
- Meu filho, na sua idade, eu gostava da Maria Clara, minha colega de sala. Advinha se ela sabe disso?
- Não?
- Não. Eu não tive coragem de falar para ela. E você teve.. Muita coragem. Meus parabéns. Estou muito orgulhoso de você.
Coragem é conseguir ultrapassar os receios quando se é fundamental tentar. O medo está presente na coragem e vem temperá-la, para que ela possa se equilibrar com a prudência. Coragem é seguir o ditado: “É hora de se usar a tática da gelatina: vai tremendo, mas vai”. A coragem remete, em sua etimologia, à palavra cordos, coração. E parece sugerir, desta forma, que inclui em si os sentimentos e emoções, e que estar perturbado por estes não indica falta de coragem.
Coragem não é não sentir medo. Que mérito haveria em fazer algo sem nenhum resquício de medo? Em que precisei me superar, me alterar, para conseguir realizar, se não senti nenhum receio? O mérito está em sentir medo, mas sabendo ser importante, conseguir ultrapassá-lo e não paralisar.
Quando o medo toma a pessoa por inteiro, chegando a paralisá-la, estamos falando então da covardia. Está é quando a pessoa, diante da necessidade fundamental de tentar, se deixa imobilizar pelo medo.
No polo oposto à covardia encontra-se a valentia, que é o agir intempestivo, sem nenhuma prudência.
Essa valentia assustadora, aparentemente uma ação sem nenhum tipo de receio, na maior parte das vezes é justamente o contrario disto: é uma ação possuída pelo medo, agora já transformado muitas vezes em pânico. Esse tipo de ação, na maior parte das vezes, está direcionado ao fracasso.
Podemos considerar o medo que leva a paralisia ou a valentia assustadora como temor.
Então ficaria melhor se partíssemos do seguinte: quando se falar de coragem estamos também falando de medo. Quando se falar de valentia assustadora ou de covardia, estamos falando de temor.
Mas por que seríamos corajosos? Por que enfrentaríamos uma situação que tememos? Já vimos que o faremos se, pela presença do medo, a prudência vier em nosso auxílio. E aí poderemos dar o primeiro passo para enfrentar aquilo que, para nós, é difícil, mas também imprescindível.
Se tentássemos fazer um tipo de escala da coragem poderíamos colocar no alto da lista, sem receio de errar, a coragem de amar.
Na próxima coluna daremos continuidade a esse tema.
Até lá.
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