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Fim de 2025, atenção a 2026: permanecermos vivas e ousadas
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Paula Vieira, socióloga e cientista política. Professora. Pesquisadora do Laboratório de estudos sobre política, eleições e mídia (Lepem-UFC)

Paula Vieira política

Fim de 2025, atenção a 2026: permanecermos vivas e ousadas

O ano de 2025 foi cruel não porque teve os maiores índices de violência contra a mulher. Ele foi o mais cruel porque a violência foi escancarada
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Imagem ilustrativa de apoio. Protesto contra feminicídos no dia 7 de dezembro, na Praia de Iracema, em Fortaleza (Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Imagem ilustrativa de apoio. Protesto contra feminicídos no dia 7 de dezembro, na Praia de Iracema, em Fortaleza

Esse é um desejo que jogo para as mulheres: permanecermos vivas da morte matada. Recentemente, precisei responder à questão: o que distingue a mulher que sofre violência da que não sofre?

Sim, foi mais um episódio de culpar a mulher, vítima, do que ela fez para incitar movimentos de violência. Quando falamos da necessidade de discutir masculinidades, estamos indicando que a questão precisa ser outra: o que faz do agressor, um agressor?

As violências contra nós são diversas, mas sempre sustentadas por misoginia. O ano de 2025 foi cruel não porque teve os maiores índices de violência contra a mulher. Ele foi o mais cruel porque a violência foi escancarada. Nós, mulheres, seguimos falando, apontando, gritando. Enquanto isso, os potenciais agressores ignoram.

Na véspera de Natal, a vereadora Adriana Gerônimo (Psol) e sua companheira foram ameaçadas. De morte. Ameaça recheada por racismo, misoginia, homofobia.

Lembrei do livro organizado pela Manuela d’Ávila, “Sempre foi sobre nós”, que reúne uma série de textos de mulheres que ousaram participar da política como Dilma Rousseff, Benedita da Silva, Anielle Franco, Áurea Carolina, Duda Salabert, Maria do Rosário, Isa Penna.

Todas elas descrevendo como o que parece ser um ataque violento direcionado individualmente, é, na verdade, voltado para um público preferencial: nós, mulheres.

A violência política de gênero se caracteriza pelo entendimento dos papéis sociais que devem ser exercidos pelos marcadores binários “homem” e “mulher”.

Ao primeiro, é designado o espaço público, de tomadas de decisões. A nós mulheres, designaram o espaço privado, reservado à uma intimidade condicionada, também, à preservação da família nuclear como um bem privado.

Assim, sempre que uma de nós (e somos muitas) tenta romper com essa dimensão simplória e dual das interações sociais, um limite é posto de maneira violenta, a razão padece e um domínio é imposto aos nossos corpos.

É assim quando tentamos sair de relações. Quando tentamos lembrar ao outro que há responsabilidade paterna. Quando saímos de licença maternidade e, no retorno, somos excluídas por interpretarem que a capacidade técnica foi embora junto com a placenta.

Quando em cargo de chefia tentamos indicar caminhos para um mundo mais seguro e recebemos desdém. Quando nos candidatamos. É assim, violento, quando ocupamos espaços públicos em defesa dos nossos interesses.

As violências contra nós devem ser entendidas como um impeditivo ao exercício democrático, pois coloca obstáculo para as garantias de direitos, de direito ao trabalho, direito à vida, direito à educação, direito ao lazer. Que em 2026 nós, mulheres, possamos viver.

A violência política contra as mulheres é, também, um impeditivo ao pleno exercício da democracia, pois constrói barreiras para participação nos espaços decisórios e, consequentemente, torna-se excludente.
Se estamos buscando que a democracia vença, aqui, faço um apelo para 2026: nos deixem vivas.

Que não nos arrastem. Que não nos joguem do décimo andar. Que não nos matem porque estamos em posição de chefia. Que não nos espanquem em elevadores. Que não toquem nos nossos corpos sem permissão. Que em 2026, ano eleitoral, possamos estar presentes sem ser ameaçadas e violentadas. Que esse ódio deixe de nos ter como alvo.

E lembremos: a questão deve ser o que faz o agressor um agressor e, por isso, há necessidade de que se discuta masculinidades.

Às mulheres que ousam (verbo aqui com atribuição positiva), meu muito obrigada. Às mulheres que seguem comigo nas trincheiras da ousadia, meu muito obrigada. Sempre será sobre nós.

Foto do Paula Vieira

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