Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
O artigo do ex-presidente Jair Bolsonaro publicado na “Folha de S. Paulo” na segunda-feira passada, 10, gerou uma espécie de fúria entre seus leitores.
Dos quase 400 comentários, li em torno de uns 200 e a queixa dos mais chateados com o jornal se desdobrava em três aspectos: 1) Bolsonaro atacou a Folha e vários de seus jornalistas durante todo o seu mandato, então, por que publicar um artigo dele?; 2) O ex-presidente atentou contra a democracia no País, esteve por trás de uma tentativa de golpe, desacreditou as urnas nas eleições de 2022 e, derrotado, foi-se embora para os Estados Unidos sem cumprir o ritual de passar a faixa para o sucessor; 3) Bolsonaro não teria condições intelectuais de escrever o artigo e apenas o assinou, por isso, a Folha teria publicado um texto com falsa autoria.
Em primeiro lugar, vamos supor que os leitores estejam corretos em tudo o que apontam. Em segundo, podemos imaginar que todos os que ameaçaram romper o relacionamento com o jornal, cancelando a assinatura, o façam.
No fundo, porém, considero que o jornal, no final das contas, foi o vencedor na disputa com Bolsonaro e também quando pensamos, para além da refrega da publicação do artigo, no fortalecimento do espaço de debate múltiplo de ideias, que não rompeu limites propagando violência, ódio, e ataques pessoais contra terceiros.
No artigo “Aceitem a democracia”, o ex-mandatário foi o mentiroso antidemocrático de sempre e não há nenhuma novidade nisso. Quem tem um mínimo de discernimento pode perceber. Não estou dizendo que só tem discernimento quem não vota no Bolsonaro.
Estou dizendo que, quem consegue discernir a experiência de Bolsonaro como presidente da República e o que ele escreveu, vai perceber que há uma notória divergência. A começar pela mídia que ele escolheu para mandar seu artigo e "reconhecer" que, pelo jornal, ele fala com um público que não frequenta suas bolhas.
O artigo tem outra nuance que considerei muito interessante: ele usa os mesmos argumentos despachados pela esquerda para criticá-lo, incluindo a vertente da “realidade paralela”, que muitos alegam ser o mundo preferido por Bolsonaro, a fim de se desvencilhar da roupa do extremismo. Mentiu de novo.
E de novo quando pareceu ser o único porta-voz da direita a cantar vitória pelo resultado das eleições municipais de 2024, mesmo diante da derrota estampada da gorda maioria dos candidatos apoiados por ele.
Pode ser que o artigo nem tenha sido mesmo Bolsonaro que tenha escrito uma vez que o texto não contém palavrão, não destila agressão contra ministros do STF, não desacata autoridades nem instituições. Ou seja, o que ninguém nunca conseguiu, a Folha consegue.
Por fim, o jornal – não apenas o paulista – segue mostrando que o jornalismo profissional se mantém firme na sua posição de lidar com o contraditório, de ser espaço para múltiplas e diversas vozes.
Segue na contramão das bolhas autoritárias com pensamento único que se retroalimentam. O jornalismo profissional é o espaço democrático por excelência. E, talvez, muitos de seus leitores ainda precisem aprender isso.
Não gosto de tudo que leio, mas penso que o melhor do jornal é ver lado a lado pensamentos tão divergentes. Isso é democracia.
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